O julgamento que decorre actualmente na vara cível do Tribunal Judicial de Londres sobre as dívidas ocultas moçambicanas aproxima-se do fim, depois de o Juiz Robin Knowles ter ouvido os argumentos da acusação feita por Moçambique através da sua firma de advogados, Peters & Peters, contra vários intervenientes no processo, que incluem um conjunto de bancos internacionais e a empresa contratada para o fornecimento de equipamento do Sistema Integrado de Protecção (SIMP).
O julgamento encontra-se agora na fase das alegações finais, antes do juiz do caso pronunciar o seu veredicto e a respectiva sentença.
Fundamentalmente, Moçambique acusa a Privinvest de ter embarcado num esquema de suborno a várias individualidades em Moçambique, incluindo o antigo ministro das finanças, Manuel Chang, para facilitar a obtenção de garantias soberanas para a contracção de empréstimos internacionais no valor de cerca de 2,2 biliões de dólares.
A Privinvest responde no processo juntamente com o seu proprietário, Iskandar Safa.
No processo, Moçambique tenta conseguir que as dívidas sejam anuladas, acusando os bancos envolvidos de conivência com a Privinvest, para além de eles não terem feito o seu trabalho de verificação de dados (due dilligence), que lhe teria permitido detectar anomalias no processo dos empréstimos, incluindo os subornos que estavam a ser pagos.
Uma das instituições financeiras envolvidas é o Banco Comercial Português (BCP), que participou como parte de um sindicato bancário liderado pelo Credit Suisse, no empréstimo de 535 milhões de dólares concedido à Mozambique Asset Management (MAM).
No conjunto das três empresas criadas no âmbito do projecto das dívidas ocultas, a MAM tinha como objectivo a construção de estaleiros navais que prestariam serviços de construção e manutenção de embarcações, incluindo as da sua irmã Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM).
Entretanto outros membros do referido sindicato, particularmente os bancos UBA e Millennium BIM, ambos domiciliados em Moçambique, chegaram a um acordo em que receberam 65 por cento dos seus capitais em dívida, deixando o BCP, que também participou na operação do empréstimo da MAM.
O BCP apresentou as suas alegações na segunda semana de Dezembro, e fez lembrar que está em tribunal porque o Governo de Moçambique, pretendendo anular todas as garantias sobre os empréstimos das dívidas ocultas, entende que elas são inválidas por três razões: 1) pelo facto de que quem as assinou, o então ministro das finanças, Manuel Chang, não tinha autoridade legal para o fazer; 2) as garantias violavam os limites orçamentais de endividamento estabelecidos pela Assembleia da República no ano em que as dívidas foram contraídas; e 3) porque elas resultaram de subornos pagos pela Privinvest, com a conivência dos bancos credores.
Em resposta, o BCP diz que em primeiro lugar, nem a violação da legislação moçambicana nem os próprios alegados subornos a Manuel Chang, ou os eventuais actos de corrupção por ele praticados, se forem provados, coarctariam, nos termos da legislação moçambicana, a sua autoridade para a assinatura da garantia do empréstimo de MAM.
O BCP, maior acionista (67%) do moçambicano Millennium bim, diz que agiu de boa-fé, e que nunca teria tido razões para acreditar que Chang estivesse a actuar fora do âmbito das suas competências, não sabendo nada sobre os alegados subornos ou de quaisquer limitações que ele pudesse ter ao abrigo da legislação moçambicana. De qualquer modo, diz o BCP, Chang era ministro das finanças de um Estado soberano, e não podia haver razões para questionar o seu mandato para actuar em representação das autoridades moçambicanas.
Acrescenta, por outro lado, que Moçambique baseia as suas acusações na alegada falta de verificação de dados (due dilligence) por parte do banco, o que teria levado este a detectar anomalias que o levassem a não avançar com a operação do empréstimo. Mas o BCP diz que essa não é uma matéria que Moçambique abordou quando teve a oportunidade de questionar uma das testemunhas arroladas pelo BCP, e que mesmo que tal fosse o caso, não significaria que o BCP tivesse antes sido informado de que Chang estaria a actuar fora dos limites das suas competências, sendo ele na altura titular da pasta das finanças de um Estado soberano.
A terceira resposta, diz o banco, “é que de forma clara e inequívoca a República (de Moçambique) ratificou a garantia da MAM quando procurou reestruturar a transacção da MAM (…) no período entre 2016 e 2019, fez vários pagamentos sobre a garantia da MAM e/ou quando em Abril de 2017 aprovou a sua Conta Geral do Estado de 2015, incorporando o seu passivo sob a garantia da MAM sem quaisquer reservas quanto à sua validade”.
Sublinha que perante estes factos, a única explanação que recebe das autoridades moçambicanas é de que só em 2019 se aperceberam de que Chang teria estado a actuar fora das suas competências.
Contudo, diz o banco, esta resposta torna-se irreconciliável com a contestação do governo de Moçambique, de que o BCP deveria ter sabido, em 2014, que Chang não tinha competências para assinar as garantias.
Ainda sobre a asserção das autoridades moçambicanas de que as garantias soberanas devem ser anuladas porque Chang não tinha autoridade para as assinar, o BCP defende que não tendo sido sua missão realizar um inquérito sobre se o antigo ministro tinha ou não esses poderes, o banco agiu na “boa-fé subjectiva, sem conhecimento de quaisquer factos que pudessem pôr em causa a sua confiança sobre a conduta da República (de Moçambique)”.