O Banco VTB Capital, uma das instituições financeiras envolvidas nos empréstimos que conduziram às dívidas ocultas, acusa o presidente Filipe Nyusi de ter prestado falsas declarações à Procuradoria-Geral da República (PGR), quando esta o entrevistou no decurso das suas investigações sobre o escândalo.
O VTB diz que nessa investigação, Nyusi admitiu apenas que durante o processo de contracção das dívidas era membro do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança, mas que “notavelmente” negou qualquer envolvimento com a Proíndicus, como o financiamento desta empresa tinha sido organizado, e conhecimento sobre a EMATUM e MAM enquanto ministro da Defesa Nacional, durante o mandato do presidente Armando Guebuza.
O VTB diz que as referidas declarações foram “demonstrativamente (e, se deve inferir, desonestas) dado que contradizem categoricamente o documentado e íntimo envolvimento do presidente Nyusi na execução dos projectos e nas transacções desde 2012”.
Nas suas alegações finais perante o Tribunal Judicial de Londres, que julga o processo intentado por Moçambique contra a Privinvest e os Bancos envolvidos nas dívidas ocultas, o VTB acrescenta “ser igualmente claro que a Privinvest continuou a pagar subornos a ministros e funcionários seniores, incluindo o presidente Nyusi”.
Sem mencionar os montantes, nem as outras figuras envolvidas nos alegados subornos, o VTB diz que “no dia 8 de Abril de 2014, numa conversa entre (Jean) Boustani e (Naji) Allam em relação ao pagamento de subornos, o Senhor Allam confirmou um quantitativo global (‘125 para todos e para tudo’) antes de alistar os montantes para vários indivíduos com recurso a abreviaturas/nomes de código”.
Na altura da contratação das dívidas ocultas, Boustani era o chefe operacional da Privinvest, actuando directamente sob os auspícios do proprietário da empresa, Iskandar Safa, enquanto Allam era director financeiro da mesma empresa.
O VTB diz que o seu envolvimento começou em Setembro de 2013, quando foi abordado por Boustani, com uma proposta para comparticipar com 350 milhões de dólares do empréstimo da EMATUM, que totalizava 850 milhões de dólares. Os restantes 500 milhões de dólares foram financiados pelo Credit Suisse, e todo o valor destinava-se à aquisição de embarcações de pesca junto da Privinvest.
O Credit Suisse foi adquirido na totalidade em Junho pelo maior Banco da Suíça, o UBS, com quem em Setembro o governo de Moçambique alcançou um acordo extrajudicial para se afastar do processo de Londres.
Em Outubro do mesmo ano, o VTB diz que recebeu uma solicitação para subscrever 118 milhões de dólares do empréstimo da Proíndicus, e em 2014 assumiu um financiamento adicional de 435 milhões de dólares para a MAM.
No processo de Londres, Moçambique exige a anulação de todas os créditos que contraiu decorrentes das dívidas ocultas, com base no argumento de que a Privinvest agiu de má-fé, subornando altos funcionários governamentais e outras individualidades moçambicanas para conseguir obter as garantias soberanas que foram assinadas pelo então ministro das finanças, Manuel Chang. As autoridades moçambicanas alegam ainda que Chang não tinha autoridade para assinar as referidas garantias, pelo que elas devem ser consideradas nulas.
Os Bancos são acusados de não terem feito as devidas diligências para determinar a validade das garantias e a viabilidade dos projectos que estavam a financiar. Os Bancos defendem-se, afirmando que estavam a lidar com um Estado soberano, e que não era sua competência investigar se Chang tinha ou não legitimidade para assinar as garantias, ou se ele e alguns dos seus colegas do governo estavam a beneficiar dos alegados subornos. Apontam ainda para as várias iniciativas para a reestruturação das dívidas, a partir de 2015, como indicadores irrefutáveis de que as mesmas tinham sido assumidas como legítimas e legais por parte das autoridades moçambicanas.
O VTB aponta ainda para uma reunião que teve em Maio de 2014 com Isaltina Lucas, então directora nacional do Tesouro, em que esta teria confirmado que a questão das dívidas ocultas tinha sido comunicada ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em conformidade com os acordos de assistência técnica entre esta instituição e o governo de Moçambique. O encontro fazia parte do processo de due diligence do Banco sobre o empréstimo da MAM.
Mais ainda, acrescenta o VTB que depois da sua nomeação como ministro da Economia e Finanças, em Janeiro de 2015, Adriano Maleiane (actual primeiro-ministro) foi “inteiramente informado” das transacções da Proíndicus e da MAM.
Acrescenta que nessa ocasião, ao tomar conhecimento de que as dívidas não tinham sido afinal reportadas ao FMI, “Maleiane aceitou que tal devia continuar a ser o caso”.
“Durante o período em que o Senhor Maleiane estava a ser informado (dos projectos), o Presidente Nyusi continuou a estar envolvido com os projectos”, diz o VTB.