Depois de largos períodos fora do espaço mediático, o antigo presidente da Autoridade Tributária de Moçambique (AT) e do Instituto Nacional de Estatística (INE), Rosário Fernandes, regressou, através de uma palestra, em Maputo. Assinalou que as dificuldades financeiras que o Estado moçambicano enfrenta derivam, em parte, do excessivo despesismo da parte dos servidores públicos. Rosário Fernandes, que também foi vice-ministro de Indústria e Comércio, fala de erros graves na governação, agudizados pela falta de ética e probidade da grande parte dos servidores públicos. Diz ainda que não se pode administrar um Estado através de verborreia populista e irreal. Sublinha que uma boa governação se faz com o compromisso na transparência, ética, educação e formação do cidadão em diferentes áreas.
Nesta quinta-feira, Rosário Fernandes esteve com a comunidade académica da Universidade Pedagógica de Maputo (UP) para dar aulas de pedagogia sobre a probidade e estabilidade governativa.
Fernandes aproveitou a data, 25 de Abril, que coincide com a Revolução dos Cravos em Portugal e que culminou com o derrube do regime fascista, para recordar que, as transformações políticas que se verificaram na antiga colónia e que culminaram com a independência de Moçambique em 1975, resultaram do descontentamento do povo português devido a miséria, pobreza, injustiças, desigualdades e outros males.
Segundo Rosário Fernandes, estes males derivam da falta de compromisso dos governos do dia para com os seus cidadãos.
Sublinhou em vez de investir de forma significativa e focalizada na educação e formação dos cidadãos em diferentes áreas, os servidores públicos focam-se na corrupção, tráfico de influência, enriquecimento ilícito, despesismo excessivo e falta de ética e deontologia na gestão de bens públicos.
Para o economista Rosário Fernandes, Moçambique dificilmente se tornará um Estado forte, enquanto não haver respeito pelo princípio de separação de poderes e nalgum momento, se confunde o campo da actuação do Estado e de um partido político.
Segundo o palestrante, não se explica que servidores públicos ocupem horas normais de expedientes, dentro das instalações públicas em reuniões políticas partidárias.
“Os servidores que ocupam horas de trabalho a fazer reuniões de partido, não estão a contribuir para o Estado, não estão a trabalhar e, um dirigente ético e improbo devia os marcar faltas e descontar essas ausências no salários. Isso não é nenhuma anormalidade. É seguir os ditames da lei”, disse.
Rosário Fernandes recorda que, através lei número 16/2012 de 14 de Agosto, Moçambique aprovou a lei de Probidade Pública, que é um instrumento legal que exige a probidade e respeito da ética no seio das administração pública.
Destaca que esta lei sistematiza de forma clara as normas que consagram os deveres, responsabilidades e as obrigações do servidores públicos a fim de assegurar a moralidade, a transparência, a imparcialidade e a probidade pública.
Sublinha que este instrumento abrange todos titulares de órgãos públicos, partindo do Presidente da República até ao chefe da povoação sem ignorar gestores de outros entes do Estado.
Para velar pelo cumprimento da ética, segundo o palestrante, foi criada a Comissão Central de Ética Pública, que é composta por nove membros designados pelo governo, Assembleia da República e pela magistratura judicial.
Contudo, na violação dos princípios éticos da parte dos titulares de órgãos públicos, nalgumas circunstâncias com sinais de crime, esta Comissão não se faz sentir. Também não se faz sentir a acção dos órgãos de fiscalização da legalidade, como é o caso da Procuradoria-geral da República e do Tribunal Administrativo.
De acordo com Rosário Fernandes, a lei de Probidade Pública proíbe, por exemplo, o uso do local e a hora de trabalho para realizar trabalhos alheios como reuniões de partidos políticos assim como o uso de bens e equipamentos das instituições públicas para fins privados.
Contudo, no terreno são incontáveis casos em que residências protocolares servem para alojar membros do partidos políticos com a logística e o pessoal de apoio suportado pelo Estado.
Para Rosário, a inoperância da Comissão da Ética Pública resulta em parte da forma como é constituída.
Explica que as Comissões de éticas deviam se inspirar nas comissões eleitorais com as devidas adaptações regimentais em boa praxe da eticalização das instituições publicas. Para tal, os integrantes da Ética Pública, deviam ser indicados por sufrágio onde para além de parlamentares, participam, instituições académicas, religiosas, organizações da sociedades civil e partidos políticos extraparlamentares.
Para tal, a proposta dos candidatos não devia vir do Parlamento ou do Governo, mas das forças vivas da sociedade moçambicana como é o caso das instituições académicas, religiosas ou da sociedade civil. Isto é, figuras que não têm interesse directo no que vão orientar, deliberar ou responder.
A assim evita-se a teoria das maiorias parlamentares simples ou absolutas ou de voto discricionário assim como acções de pressão, influência, manipulação ou intimidação dos seus membros de quem nas actuais disposições têm a incumbência de nomear, transferir, punir ou demitir quantas vezes sobre critérios obscuros e de acordo com os seus interesses.
Devido a estas e outras tantas fragilidades, assiste-se no país cenários em que o requisito para alcançar o alto cargo na administração pública ou na gestão das empresas públicas não é a competência para ocupar o cargo, mas o simples facto de ser camarada.
Bens e negócios de Estado estão a ser apoderados por minorias de grupos pertencentes a certos partidos políticos.
“É difícil desenvolver um Estado num cenário em que, cada vez que um grupo chega, diz que é a minha vez, e, se você quer um lugar na hierarquia me favorece nisto e naquilo. Dê-me, que te dou. Hoje, as vagas que deviam ser ocupadas através de concurso público são preenchidas através de nepotismo, favores e filiação partidária. É muito difícil contruir um país de justiça social neste termos”, lamentou.
Inaugurações dispendiosas, mas irrelevantes
Rosário Fernandes também falou da “febre” das inaugurações que caracterizam o actual mandato e disse que a qualidade de infraestruturas inauguradas é insignificante para o nível de gastos feitos na logística das entidades que fazem a esses eventos.
Recordar que, por várias vezes, Filipe Nyusi, presidente da República, movimentou logística enorme, incluindo helicópteros e centenas de viaturas para inaugurar uma fontenária ou Posto Transformador de energia numa localidade.
Sem apontar nomes, Rosário Fernandes assinalou que as inaugurações multifacetadas a toda largura do extenso território nacional de infra-estruturas da incumbência dos governos locais eleitos, nomeados ou destacados, mas que são feitas por figuras saídas de Maputo, com todos custos de logística inerentes, é um sinal claro da falta de ética despesista.
“Um ministro ou director nacional sai de Maputo para inaugurar uma fonte de água que podia ser inaugurado por um director provincial, administrador ou presidente do município. Será isso necessário? O dinheiro gasto nessa deslocação não servia para responder outras necessidades do Estado”, questionou.
O antigo presidente da AT também falou de viagens desnecessárias de servidores públicos para o estrangeiros, com custos altíssimos para o Estado, mas desprovidas de racionalidade económica. São custos altos que nalgum momento chocam com ética pública.
“Grande parte desses servidores públicos que viajam, com frequência, para o estrangeiro, nem conhece o país e até a própria aldeia, mas conhecem Lisboa, Paris, Washington, as custas do Estado. No fim não trazem nenhum resultado, se não descapitalizar o Estado. Aqui temos de chamar a responsabilidade aos órgãos de fiscalização da legalidade ou administrativa”, disse.
A fonte frisou que os sucessivos gabinetes das primeira-dama, desde o governo central, provincial, distritos até aos municípios, sem excluir as Secretarias de Estado (SdE) nas províncias são desnecessários e deviam ser extintos porque, estão a descapitalizar o Estado.
“Não imaginem em termos orçamentais esta pesada máquina das primeiras-damas e dos secretários de Estado. Aquele número de pessoas, aquela parte burocrática, as instalações, os equipamentos usados, quando contabilizados e inseridos nas contas públicas. Qual é o impacto disso no Orçamento do Estado. Estamos sempre a falar de défice orçamental e temos esses todos excessos. O que isso significa.
Devemos ter a coragem de extinguir os gabinetes das primeiras-damas a todos níveis incluindo as secretarias do Estado ao nível provincial. Há que se fortalecer o poder dos governadores locais que resultam da vontade popular”, disse.