A visita do Presidente Daniel Chapo aos Estados Unidos foi apresentada como uma missão de reforço das relações bilaterais. Mas, na verdade, revelou-se o primeiro grande movimento de uma reconfiguração silenciosa do tabuleiro energético moçambicano.
Em Washington, o Chefe de Estado reuniu-se com o Banco Mundial, o FMI e a Corporação Financeira de Desenvolvimento (DFC). Porém, foi em Houston, Texas, que se deu o ponto alto da viagem: o encontro com a administração da ExxonMobil, multinacional, que lidera o consórcio do projecto Rovuma LNG (Área 4).
A empresa confirmou a intenção de assinar a Decisão Final de Investimento (FID) até meados de 2026, um marco aguardado há mais de cinco anos. Com um investimento previsto de 30 mil milhões de dólares, o Rovuma LNG poderá transformar Moçambique num dos maiores exportadores mundiais de gás natural liquefeito.
Da diplomacia ao investimento
A ExxonMobil é, hoje, o pilar mais sólido da política energética de Moçambique. Enquanto a TotalEnergies ainda procura as condições políticas e sociais para regressar à Área 1, a Exxon avança com uma estratégia discreta, técnica e previsível.
O Presidente Chapo sabe disso e a visita a Houston foi mais do que um gesto diplomático: foi uma operação de confiança. A presença do Chefe de Estado num dos quartéis-generais da indústria petrolífera global foi interpretada por analistas como uma tentativa de reposicionar Moçambique no eixo de influência norte-americano, num contexto internacional em que os Estados Unidos procuram fontes alternativas de gás para o mercado europeu e asiático.
A mensagem, segundo fontes próximas da delegação moçambicana, foi clara: “Moçambique está de volta, com estabilidade e transparência.”
O Centro Tecnológico de Moçambique: o novo rosto do gás
Entre os anúncios de Houston, destacou-se o memorando para a criação do Centro Tecnológico de Moçambique, a ser erguido no Zimpeto.
Com um custo estimado entre 35 e 40 milhões de dólares, o centro será financiado pela ExxonMobil e acolherá até 250 jovens moçambicanos em regime de internato, nas áreas de engenharia, operações de gás e inglês técnico.
A promessa é que, após uma década, a infra-estrutura se torne propriedade do Estado moçambicano.
Mais do que um investimento social, o projecto funciona como instrumento de diplomacia económica, uma forma de a ExxonMobil conquistar legitimidade pública num país ainda marcado por desigualdades e memórias amargas de promessas incumpridas.
“O centro é o primeiro sinal de que o gás pode gerar conhecimento antes do lucro”, afirmou um consultor energético. “Mas será preciso garantir que não se torne apenas vitrina de relações públicas”, assinalou.
O contrapeso à TotalEnergies
A ExxonMobil entra agora num território que a TotalEnergies já explorou: o da confiança política. Desde 2021, a Total suspendeu as suas operações na Área 1, depois dos ataques a Palma, e apenas recentemente manifestou intenção de retomar o projecto. Enviou ao Governo uma carta propondo a prorrogação do contrato e a revisão dos valores de investimento, alegando atrasos e novos custos de segurança.
Chapo respondeu com cautela: “É uma questão de conversa entre as partes. No entanto, fontes do sector indicam que o Governo vê a ExxonMobil como um parceiro mais previsível e menos politizado.
Enquanto a Total procura reabilitar a sua imagem, a ExxonMobil trabalha para assumir a dianteira do gás moçambicano, contando com o apoio político e financeiro de Washington e das suas instituições multilaterais.
O contexto global
A guerra na Ucrânia, as sanções contra a Rússia e o aumento da procura por gás natural liquefeito colocaram Moçambique de novo no radar energético global. Para os Estados Unidos, garantir um fornecimento estável de GNL africano é questão de segurança estratégica.
Daí o simbolismo da visita de Chapo à Casa Branca, onde foi recebido pelo vice-presidente David James Vance.
Nos bastidores, Washington reforçou o compromisso de apoiar Moçambique não apenas no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, mas também na segurança marítima e na transparência da exploração energética.
Fontes diplomáticas falam de um plano americano para consolidar o Índico como corredor energético seguro, do qual Moçambique é peça central: entre o gás de Cabo Delgado, os portos de Nacala e Pemba, e a nova aposta em energia verde em Inhambane.
Chapo e o desafio da soberania
No discurso de balanço da visita, Chapo sublinhou que “o Governo vai analisar com detalhe os fundamentos das propostas” antes de aprovar qualquer contrato. A declaração foi vista como tentativa de afirmar uma postura de soberania negocial, após anos em que o Estado moçambicano foi criticado por cedências excessivas às multinacionais.
Outras frentes e o efeito demonstração
O entusiasmo em torno da ExxonMobil coincide com outros movimentos no sector energético. A ENI avança com o Coral South FLNG, projecto de 7 mil milhões de dólares já em operação, e prepara o Coral Norte, previsto para 2028. A Globeleq, do Reino Unido, discute com o Governo um projecto de hidrogénio verde em Inhambane, avaliado em 2 mil milhões de dólares.
Mas nenhum desses investimentos tem o peso geopolítico da ExxonMobil.
“O que a Exxon está a fazer é redefinir o padrão de relação com Moçambique”, comenta uma fonte ligada à Confederação das Associações Económicas (CTA). “Se este projecto for transparente e lucrativo, cria-se um precedente positivo que obriga as outras multinacionais a seguirem o mesmo caminho.”
A sombra das promessas
Apesar do optimismo, permanecem dúvidas sobre o impacto real desses megaprojectos. Em Cabo Delgado, os reassentamentos continuam inacabados, o desemprego é alto e a sensação de exclusão social persiste.
Em 2020, o Governo prometera que o gás criaria 70 mil empregos directos e indirectos, mas até hoje não há dados públicos que confirmem esses números.
O economista Carlos Ngulela alerta que “as promessas de inclusão social associadas ao gás raramente se concretizam porque o Estado carece de mecanismos de redistribuição”. Sem uma política clara de reinvestimento, o risco é o de repetir o ciclo das dívidas ocultas, agora com outro nome e outra escala.
O dilema de Chapo
Daniel Chapo regressou dos Estados Unidos com um discurso triunfalista: “Reforçámos amizades, mobilizámos parcerias e projectámos o futuro de Moçambique.” Mas o futuro dependerá da capacidade de transformar intenções em resultados tangíveis.
O Presidente enfrenta três dilemas:
1. Como equilibrar soberania e dependência externa, numa economia em que o capital estrangeiro dita o ritmo do crescimento.
2. Como converter o gás em riqueza nacional sustentável, evitando que as receitas sejam capturadas por elites políticas.
3. Como gerir as expectativas de um país exausto de promessas.
O sucesso da ExxonMobil em Moçambique pode ser o selo de legitimidade internacional que Chapo precisa ou o início de uma nova armadilha energética. Por enquanto, o Presidente parece ter escolhido o caminho do pragmatismo: aproximar-se dos Estados Unidos, reconquistar confiança e negociar com as multinacionais sem perder a imagem de estadista sereno. Mas, como sempre, em Moçambique, as grandes decisões tomam-se no silêncio das negociações e raramente em público.
