Lula da Silva volta a Maputo depois de dezassete anos. A visita está prevista para os dias 23 e 24 de Novembro. E, por mais respeito que se tenha pelo Presidente brasileiro, é impossível olhar para este regresso sem revisitar a herança ambígua que a cooperação Brasil–Moçambique deixou no país.
Quando Lula esteve aqui pela última vez, a narrativa era sedutora: cooperação entre iguais, países do Sul a ajudarem-se mutuamente, transferência de tecnologia, capacitação e solidariedade. Mas a prática nem sempre correspondeu ao discurso.
A fábrica de medicamentos da Matola foi inaugurada como símbolo de soberania farmacêutica. Anos depois, tornou-se exemplo de como grandes promessas podem emperrar quando há fraca manutenção, gestão política e financiamento irregular.
O mesmo aconteceu com infra-estruturas anunciadas com pompa, investimentos de empresas brasileiras e programas de formação que nunca consolidaram massa crítica. É verdade: a culpa não foi apenas do Brasil. Moçambique também falhou no acompanhamento técnico, na fiscalização e na defesa do interesse público. Os anos que se seguiram (marcados por escândalos financeiros, dívidas ocultas e erosão institucional) criaram um ambiente em que qualquer parceria internacional enfrenta desconfiança legítima.
E é aqui que a visita de Lula se torna interessante. O Brasil de hoje não é o Brasil expansivo dos anos 2000; e Moçambique de hoje não é o Moçambique ingénuo que acreditava que cada parceiro externo tinha salvação para oferecer.
Lula regressa num momento em que Chapo tenta mostrar que quer governar com resultados. E as relações internacionais estão novamente sob escrutínio público.
A questão central é: qual Lula regressa a Moçambique?
– O Lula diplomata do Sul Global?
– O Lula estratégico que quer ganhar influência em África?
– Ou o Lula pragmático que sabe que grandes promessas podem ruir se não tiverem raízes sólidas?
E, mais importante ainda: que Moçambique encontra?
– Um país que já não aceita projectos sem contratos transparentes.
– Um país que olha com suspeita para “cooperações milagrosas”.
– E um país que começa a exigir resultados com impacto real no dia-a-dia dos cidadãos.
O Brasil tem experiência valiosa em agricultura familiar, combate à pobreza, saúde pública e inovação institucional. Mas Moçambique já aprendeu que know-how não significa automaticamente benefício.
Para a cooperação funcionar, será necessário:
1. Abandonar a diplomacia das promessas: as visitas presidenciais renderam demasiadas inaugurações simbólicas e poucos projectos que sobreviveram ao corte de fita.
2. Reconhecer os erros do passado: se Lula ignorar os problemas de Moamba-Major, dos projectos travados e da presença controversa de empresas brasileiras, a visita ficará pela superfície.
3. Negociar com realismo: Chapo precisa de projectos que mudem vidas, não de slogans sobre “irmandade”.
No final, a pergunta continua aberta:
Lula regressa para relançar a cooperação ou para reencontrar um país que já não lhe pertence politicamente?
O impacto da sua visita dependerá menos dos discursos e mais da capacidade de ambos os governos enfrentarem o passado para construir um futuro útil aos moçambicanos.
