O governo continua a enfrentar resistência no pagamento de dívidas de alienação de empresas pertencentes ao Estado por parte de alguns camaradas, que se beneficiaram dos fundos. São créditos de Tesouro concedidos a elite política-económica com ligações ao partido governamental, num esforço para alavancar uma burguesia local, o Black Economic Empowerment (BEE) à moda moçambicana.
O processo de cobrança arrasta-se há longos anos e nota-se cada vez menos beneficiários a desembolsarem os valores de alienação.
É preciso notar que os créditos foram feitos com base em fundos concedidos ao Estado, entre donativos e créditos destinados ao reforço da Balança de Pagamentos de Moçambique. Donativos do Japão, da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e créditos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da Agência de Desenvolvimento Internacional (IDA), um dos braços do Banco Mundial, foram concedidos a empresas nacionais sem garantias reais de retorno e a taxas de juro altamente concessionais, na primeira metade da década de 2000, a um conjunto de empresas maioritariamente associadas a figuras do partido Frelimo.
O Relatório e Parecer do Tribunal Administrativo (TA), atinente à Conta Geral do Estado 2022, na posse do SAVANA, volta a alertar sobre a inércia governamental na cobrança dos referidos créditos. O auditor das contas do Estado apresenta uma amostra de 42 empresas alienadas, de um total de 137, das quais apenas quatro honraram com os seus compromissos de pagamento de dívidas de alienação.
A alienação das 42 empresas está orçada em 823.227 mil meticais (USD 12.8 milhões), sendo que em 2022 foram reembolsados apenas 7.348 mil meticais (USD114.8 mil), por quatro adjudicatários, totalizando um valor acumulado pago de 358.295 mil meticais até final de 2022.
Tomando como referência o valor da amostra, há um saldo de dívida de 478.186 mil meticais (UDS7.4 milhões). A título ilustrativo, na lista dos que não reembolsam os créditos desde 2011 a esta parte, está o Grupo Mecula, uma empresa vocacionada ao transporte de passageiros e mercadorias, turismo e distribuição de mercadorias.
Esta empresa tem na sua estrutura accionista Alberto Joaquim Chipande, veterano da luta armada, a quem a história oficial atribui a autoria do primeiro tiro da insurreição contra o colonialismo português. Foi ministro da Defesa Nacional desde a independência, em 1975, até à implantação do governo surgido das primeiras eleições multipartidárias em 1994. Actualmente, Chipande é membro da Comissão Política da Frelimo e figura com grande influência na actual governação.
De acordo com o relatório do TA, em 2022, o Grupo Mecula alienou em 2017 a Romon – Rodoviária de Moçambique Norte, nas províncias de Nampula e Cabo Delgado, por 25.303 mil meticais (USD 395.3 mil), tendo até aqui desembolsado um valor cumulativo de 15.136 mil meticais. No ano de reporte do presente parecer, o grupo Mecula não desembolsou qualquer tostão, ficando com uma dívida de 10.166 mil meticais.
O grupo Mecula foi criado em 1999, por Carlos Adolfo Capellato juntamente com Alberto Chipande, mas desde 2015 é propriedade exclusiva de Chipande.
Na lista dos incumpridores desponta ainda o grupo Académica, Lda, que, em 1998, alienou o jornal Diário de Moçambique, antigo Notícias da Beira, por 6.470 mil meticais, tendo pago um acumulado de 2.565 mil meticais, prevalecendo uma dívida de 3.904 mil meticais. Ao longo de 2022, a Académica, que é detida pela família Sidat, não efectuou nenhum pagamento.
A Epsilon invest/Sotux surge como uma das grandes devedoras e que não está a cumprir com o pagamento, de acordo com o TA. A sociedade ficou com os interesses do Hotel 4 Estações (o edifício foi demolido, em Março de 2007, para dar lugar à Embaixada dos Estados Unidos), por 40.880 mil meticais, tendo liquidado um acumulado de 8.552 mil meticais. Em 2022 não efectuou qualquer pagamento e conta com um saldo de dívida de 32.329 mil meticais.
Das adjudicatárias que pagaram as suas dívidas ao Tesouro está a Agro-pecuária muda bloco 1, de José Caravelas e Jordão, que desembolsou 356 mil meticais, faltando pagar 3.175 mil meticais de um total de 3.351 mil meticais, determinados para alienação em 1999. Este cenário ilustra que só 23 anos depois é que a empresa procedeu ao pagamento de uma parcela.
A congregação Sagrada Família, que em 2006 alienou as instalações do Motel Palmar – Romos Maxixe – por 3.583 mil meticais, pagou, em 2022, 203 mil meticais, concluindo, deste modo, o pagamento total da dívida.
Na lista dos cumpridores está também a Mid Group – Auto VIP, que em 2017 alienou o Parque de Oficinas Unidades II e IV por cerca de 103.173 mil meticais. Segundo o auditor das contas públicas, esta empresa pagou 537 mil meticais perfazendo um valor acumulado pago de 12.954 mil meticais, ficando, deste modo, com saldo 90.220 mil meticais.