As acusações públicas de desvio de fundos com recurso a esquemas ardilosos feitas, semana finda, pela Fly Modern Ark (FMA), terão causado um grande desconforto em sectores governamentais, a avaliar pelas indicações avançadas ao SAVANA por uma importante fonte ligada ao Governo.
A fonte governamental reconheceu que o modelo de assessoria incumbido à consultora sul-africana não foi a mais acertada.
A mesma fonte admitiu que a falta de cautela discursiva em assuntos melindrosos, como aquelas acusações feitas pela FMA, podem colocar em causa o negócio da companhia da bandeira nacional.
“Este tipo de gestão não é bom e é por isso que é de curto prazo. Agora, estamos a ver como resolver. Há sectores em que o funcionário tem de pensar duas vezes naquilo que ele fala. Mesmo que você saiba dos problemas, mas qualquer coisa que você for a dizer sobre o avião, para o passageiro, você mata a companhia por causa das tuas declarações”, desabafou a fonte governamental.
A contratação da FMA, uma consultora sul-africana sem experiência de gestão de operações diárias de uma companhia aérea, foi a solução próxima encontrada pelas entidades governamentais para responder aos desafios que a LAM apresentava no capítulo da gestão financeira da empresa. Porém, aparentemente, a solução está longe de ser a perfeita.
Plano engavetado?
Contudo, antes da “solução FMA”, o SAVANA apurou que a actual direcção da LAM submeteu, em 2019, uma proposta para a reestruturação da companhia, que terá sido ignorada pelo accionista maioritário, o Instituto de Gestão das Participação do Estado (IGEPE). O SAVANA teve acesso aos detalhes do documento com 75 slides.
O documento foi submetido ao IGEPE para efeitos de aprovação e implementação.
Ao que o SAVANA apurou, o IGEPE terá colocado o documento em banho-maria, por cerca de três anos. Porém, a estratégia que está a ser usada pela FMA na gestão da LAM tem muitos pormenores, que constam no documento submetido ao IGEPE pela actual direcção da companhia de bandeira. Isto, segundo uma fonte da companhia, sugere que a FMA terá tido acesso ao documento.
O jornal confrontou a PCA do IGEPE, Ana Coanai, a poderosa chefe do sector empresarial do Estado e membro do Comité Central (CC) da Frelimo, com a proposta de reestruturação. Disse que não tinha conhecimento da mesma.
A proposta, a que o SAVANA teve acesso, faz uma radiografia da companhia, apresentando os pontos fracos e fortes, a situação operacional, a optimização da mão-de-obra, situação das dívidas, rentabilização das várias infra-estruturas ociosas da empresa espalhadas pelo país e, acima de tudo, propostas de soluções para que a empresa pudesse “descolar e voar após anos de rolagem”.
Dentre as várias questões, a LAM solicitou ao Governo a contratação de um consultor em matéria de financial control, visandoajudar a LAM a ter um maior controlo das receitas, para fazer a desagregação dos valores nas passagens que contemplam escalas, e, acima de tudo, a reconciliação das receitas nos diferentes pontos de venda, incluindo no estrangeiro, tendo em conta as propostas de aumento de rotas que ainda estavam em estudo para a internacionalização da empresa.
Igualmente, a LAM solicitou um consultor comercial para o aconselhamento em matéria de marketing, argumentando que internamente abundava muita comodidade no seio dos técnicos do sector, devido ao monopólio que a companhia detém a nível nacional.
Contrariamente à ideia inicial de um consultor para fazer o levantamento dos problemas e apresentar propostas de resolução que seriam implementados pelas equipas da LAM, o Governo trouxe a FMA, impondo um novo modelo de trabalho, no qual esta passaria a exercer funções executivas.
Ao que soubemos, a imposição não foi do agrado do board da LAM, que também não concordava com o perfil da empresa selecionada, devido à sua pouca experiência no sector.
Recorde-se que aquando do anúncio da contratação da FMA, o ministro dos Transportes e Comunicações, Mateus Magala, assinalou que a LAM era uma companhia que estava em “coma”, devido ao seu estado, e que ninguém aceitava firmar parceria para uma intervenção.
Saudou a firma sul-africana pela coragem e determinação de aceitar o desafio, destacando que a mesma seria remunerada em função dos resultados alcançados, pois entrou na operação por conta e risco próprio.
Porém, há indicações de que FMA embolsa, mensalmente, cerca de 75 mil dólares.
Uma das cláusulas do acordo é que em caso de litígio ou anomalia na implementação do programa de reestruturação, as partes (LAM – FMA) deveriam recorrer a aviation comission, órgão composto pelo ministro dos Transportes e Comunicações, ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, PCA do IGEPE, director-geral da LAM, João Pó Jorge, e o representante da FMA.
É justamente neste ponto que a fonte governamental, que temos estado a fazer referência, entende que a FMA pode ter violado uma das cláusulas ao avançar, unilateralmente, com acusações de desvio de fundos com recurso a esquemas, sem, no entanto, ter informado previamente as partes.
A direção-geral da LAM e o sindicato local reivindicaram a falta de comunicação prévia sobre o assunto, assinalando que foram apanhados de surpresa pelas informações veiculadas pelos órgãos de comunicação social.
O Executivo também manifestou o seu espanto e desconforto, com a forma como a informação veio ao público.
O primeiro-ministro, Adriano Maleiane, assegurou, no último domingo, que, caso se comprove o desvio de fundos das LAM, haverá responsabilização dos funcionários envolvidos.
“Se a regra de gestão foi violada, isto tem de ser corrigido e há instrumentos legais e financeiros para a resolução dos problemas”, disse Maleiane.
Por outro lado, o IGEPE disse ter instruído a FMA e a LAM a apurarem os factos e canalizarem imediatamente as suspeitas às autoridades competentes, destacando que a Procuradoria-Geral da República na cidade de Maputo foi solicitada para investigar o caso.
Radiografia
O plano na posse do SAVANA refere que, em 31 de Dezembro de 2018, a situação financeira da LAM era extremamente preocupante. Apresentava capitais próprios negativos ao redor de 7.871 milhões de meticais [USD122.9 milhões], o total de passivo era de 16.595 milhões meticais [USD259.3 milhões].
A empresa tinha dívidas soberanas, uma delas apontadas como aquela que contribui para a degradação da situação financeira por ter sido convertida de dólares para meticais.
Com o BCI, a dívida era de [USD67.0 milhões], convertidos para 4,3 mil milhões de meticais (Março 2019). “Esta conversão tem um impacto negativo para as contas da LAM em mais de 45 milhões de meticais/mensais, que poderiam ser alocados, para fazer face às outras despesas. O acréscimo destas prestações condiciona a empresa à remuneração do capital, bem como o pagamento de juros”, refere o documento.
Com o Millennium bim, a dívida era de 181.0 milhões de meticais [USD2.8 milhões] e com o Moza Banco era de 1.366 milhões de meticais [21.3 milhões].
Perante a situação de capitais próprios negativos, a LAM tinha duas saídas: Convocar os sócios para se anunciar a dissolução da empresa ou chamar os accionistas para a injecção de capital, em 60 dias.
Foi diante deste quadro, soubemos, que a administração de João Pó Jorge produziu a proposta de revitalização, visando tirar a empresa da situação crítica em que se encontrava.
O projecto de revitalização assentava em oito pilares a saber: melhorar a pontualidade operacional; avaliar a situação financeira da empresa; reestruturar a dívida financeira e a de fornecedores; recuperar o equilíbrio financeiro (Break-Even), através do aumento de receita, diminuição de custos e rever participações financeiras.
A radiografia elenca como factores que contribuem para a degradação dos resultados, o elevado passivo com fornecedores e banca; capitais próprios negativos; diversidade da frota, num cenário de poucas aeronaves, tornando as operações mais caras.
Fragilidade comercial
O documento fala de fragilidades da área comercial, que é o ponto nevrálgico das empresas, mas dominado pelo conformismo por operar num mercado doméstico sem competição.
“No que se refere ao conteúdo técnico (tarifação, distribuição, relações com agentes de distribuição e representação, ferramentas de inteligência de tráfego e relações com outros operadores), o nível de gestão não é adequado para enfrentar um mercado em competição”, lê-se no documento.
A recolha e gestão de dados, segundo o plano, são extremamente reduzidas e criam dificuldades de concepção e implementação de planos correctivos face ao comportamento de mercado.
Estes aspectos são apontados como aqueles que afectam a lucratividade e a posição do fluxo de caixa da empresa.
A LAM estava, nessa altura, a perder o mercado para a Fastjet, devido à sua política low cost e pontualidade nas operações.
Isso obrigou a companhia de bandeira a reinventar-se para resgatar o mercado, tendo para o efeito asfixiado as políticas da Fastjet, que em 2019 abandonou o mercado.
Plano de acção
Para lidar com este desafio, a nova administração propôs sete pontos-chave, para resgatar a pontualidade operacional.
Avaliar o grau de empenho e formação da força laboral; introduzir mecanismos de recolha de dados para gestão; determinar metas escalonadas para melhoria de performance; atribuir responsabilidades e designar líderes dos diversos indicadores; estabelecer processos de monitoração continua da melhoria dos indicadores; determinar recursos necessários e plano de implementação, após aprovação; adequar o horário ao mercado e recursos disponíveis.
Ao nível financeiro, enveredou-se pela criação de uma equipa para determinar a capacidade de negociação de dívidas, explorar a possibilidade de reduzir mediante plano de pagamento; considerar conversão de Debt to Equity (swop com empresas do Estado, Aeroportos de Moçambique e Petromoc).
O plano de acção aponta para a determinação do valor de activos e sua possível reavaliação, a valorização do património, para melhorar balanço, a contratação de uma entidade para formular o plano de reestruturação da dívida e a respectiva implementação.
Paralelemente, as negociações da dívida impunham acções de reestruturação, para que a companhia voltasse a operar rumo ao alcance do equilíbrio financeiro, o que passa pelo aumento de receitas.
A abordagem pressupunha fazer melhorias no cumprimento do horário e a devida promoção, o estabelecimento de uma política e sistema tarifário rigoroso e flexível, bem como preparar o sector comercial para enfrentar a competição, entre outros.
A uniformização e estabilização da frota constituía outro grande desafio.
O plano incluía ainda a revisão das participações da LAM em algumas empresas, visando identificar aquelas em que se pode desinvestir parcial ou totalmente e as que podem ser liquidadas total ou parcialmente, visando avançar com propostas para a redução de custos de gestão ou operações.