O filósofo moçambicano Severino Ngoenha considera que a classe dirigente ignora o que se passa no país e desconhece a realidade cruel que se vive nos distritos afectados pela violência armada na província de Cabo Delgado.
Ngoenha tira essa conclusão de um poema anônimo, publicado nas redes sociais, que leu na Segunda Conferência Dom Alexandre José Maria dos Santos, alusiva à comemoração do 800º aniversário de nascimento de São Tomás de Aquino e dos 700 anos da sua canonização, promovida na quinta-feira pela Universidade São Tomás de Moçambique (USTM).
“Maputo é longe, é tão longe que os que de lá mandam não têm ideia do resto do país. Se não fosse longe, hoje o país teria parado para perceber o que se passa nos distritos de Quissanga e Ibo, sem falar de Chiúre e Macomia. Maputo é longe, visto de Maputo, Moçambique é um país lindo, sem problemas, sem guerra, sem deslocados, sem funcionários a fugir para salvar a sua pele, mas Maputo é longe”, diz o poema, de um autor desconhecido, citado por aquele académico.
Este seria o discurso mais duro e mais severo que alguma vez ouviu e que de imediato o recordou o Dom Alexandre José Maria dos Santos, fundador da USTM.
O fundador da USTM pugnava pela unidade nacional, acrescentou Severino Ngoenha.
“Este discurso duro e severo remete ao que acontece com os nossos concidadãos em Cabo Delgado hoje e tem muito a ver com o legado que Dom Alexandre deixou, pois ele se preocupava em ver Moçambique unido e se reconciliando consigo próprio”, sublinhou Ngoenha.
A obra daquele líder religioso, prosseguiu, está associada ao desenvolvimento e fortalecimento das instituições religiosas, promoção da educação e à defesa dos mais vulneráveis.
“Dom Alexandre dos Santos deixou um legado significativo de dedicação à fé, compromisso com a justiça e defesa dos direitos humanos em Moçambique”, assinalou o reitor da Universidade Técnica de Moçambique.
Severino Ngoenha destacou que o legado de Dom Alexandre José Maria dos Santos centra-se na preocupação com os mais necessitados, visto que ele lutava firmemente contra a pobreza.
“As grandes teorias são respostas aos problemas da sociedade, estudar para Dom Alexandre era encontrar soluções para os problemas do país. Há no país vários moçambicanos que passam necessidades primárias, como a falta de alimentação condigna, o acesso à educação e o acesso à saúde”, sublinhou.
Cerca de 50% da população não tem habitações condignas, boa parte das crianças sentam no chão nas escolas por falta de carteiras, há pessoas que caminham de Nampula até Cabo Delgado por falta de transporte, notou aquele filósofo.
“Se o nosso estudo não toca essas pessoas, evitemos invocar Dom Alexandre, porque ele não está connosco”, desafiou.
Por sua vez, o reitor da USTM, Joseph Wamala, reflectiu sobre a espiritualidade e religiosidade na vida e obra de Dom Alexandre, explicando que, apesar de haver uma procura crescente pela vida e obra deste clérigo, há uma notável falta de interesse académico por parte dos estudiosos.
“Não se pode compreender Dom Alexandre sem fazer uma análise da sua espiritualidade e religiosidade, porque Dom Alexandre nos fornece uma visão inestimável da sua filosofia de vida e das suas obras”, frisou Wamala.
Para compreender o lema servir e não ser servido, prosseguiu, é necessário explorar a dimensão espiritual e religiosa do sujeito da reflexão.
O reitor da USTM sublinhou que a ideia central desse lema é colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar, como fez Jesus Cristo, ao lavar os pés dos seus discípulos e como Dom Alexandre fez também ao servir os outros.
“A espiritualidade é intrínseca ao ser humano, enquanto que a religiosidade não é assim. Pode haver questões espirituais que não estejam ligadas à religião”, enfatizou.