As Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) continuam a operar na zona de turbulência, com tendência de a situação degradar-se cada vez mais e a cada dia que passa. A empresa não dispõe sequer de uma aeronave própria. A situação agravou-se esta semana, com a retirada de dois CRJ 190 da companhia sul-africana CMR, limitando ainda mais a sua capacidade de intervenção.
Em 2009, a empresa tinha uma capacidade de 910 lugares nas suas aeronaves e hoje conta apenas com 275 lugares, como consequência de estar a operar com três Embraer E145, dos quais um é da subsidiaria Mex e os restantes alugados.
De uma companhia com autonomia para atender a demanda de passageiros, a LAM passou a enfrentar inúmeras dificuldades para satisfazer a sua clientela por conta das inúmeras dívidas, que retiram a capacidade financeira da empresa para adquirir ou alugar aviões.
Com os problemas na LAM, que atingiram o seu ponto crítico, vários passageiros nacionais estão a usar a Airlink, fazendo ligações em Joannesburgo para ligar cidades moçambicanas, como Beira, Nampula, Pemba, Tete e Vilanculos. Ou seja, partem de Maputo para Joannesburgo e, partir da cidade sul-africana, ligam destinos moçambicanos. Isto significa que a Airlink está potencialmente a tomar conta de voos domésticos, deixando a LAM para trás.
Nos últimos dois meses, a companhia de bandeira vive um autêntico caos para gerir a demanda, semanalmente tem se desdobrado em comunicados de imprensa para comunicar o cancelamento ou reprogramação de voos devido à indisponibilidade de aeronaves.
“Nas últimas semanas, a LAM está com restrições de voos, cancelamentos, reprogramações e até situações de excesso de reservas por falta de capacidade de escoamento de passageiros. Isto deriva do facto de a CMR ter rescindido o contrato de aluguer de aviões de forma unilateral sem aviso prévio”, esclareceu Alfredo Cossa, porta-voz da LAM.
O SAVANA apurou que a empresa sul-africana CMR retirou os seus dois aviões CRJ 190 por falta pagamento do valor de aluguer dos aparelhos. É sabido que a LAM não está a honrar os seus compromissos com diversos fornecedores de serviços.
A companhia de bandeira nacional não possuiu uma frota própria de aviões, sendo que com a retirada das duas aeronaves CJR 190 com capacidade de 90 lugares cada, pela empresa sul-africana CMR, a LAM fica a operar com três aviões de menor capacidade, facto que complica ainda mais a garantia das operações.
“Estamos a voar com dois Embraer 145 com capacidade de 50 passageiros cada, um dos quais da subsidiária MEX e outro alugado. Opera igualmente com outro Embraer 145 alugado, mas com capacidade para transportar 37 passageiros”, explicou.
Acrescentou que a terceira aeronave opera de forma condicionada devido às exigências da companhia proprietária. Contas feitas, os dados demonstram que a LAM tem uma capacidade instalada para escoar de uma só vez 137 passeiros, não se sabendo do limite de horas que cada aeronave pode fazer por dia, tendo em conta a sua reduzida capacidade.
Queda vertiginosa da frota
Em 2009, a LAM adquiriu três aviões Embraer 190 para reforçar a sua frota, que já contava com quatro Boeing e três Q400, o que resultava em 910 lugares disponíveis.
Paulatinamente, a situação foi se deteriorando ao ponto de, em 2023, não possuir sequer um avião próprio, após a retirada de dois Embraer das operações para venda no Quénia.
Esta operação foi bastante nefasta para a empresa, pois contrariamente ao previsto, as aeronaves foram vendidas em peças depois de tanto tempo estagnadas nos hangares dos aeroportos quenianos e com dívidas de estacionamento acumuladas.
Esta operação reduziu a capacidade de lugares de 910 para cerca de 600, sendo que até finais de 2024 a capacidade reduziu ainda mais para cerca de 302 lugares, após a retirada da Boeing 737-700.
Actualmente, com a retirada do Q400 para manutenção por ter esgotado o ciclo de horas disponíveis para voar, agravada com a retirada de dois CRJ pela empresa sul-africana, a LAM ficou com uma capacidade de 275 lugares disponíveis para transportar passageiros em cada sentido.
A empresa refere que em condições normais tem uma demanda de 915 passageiros para serem evacuados de Maputo para as províncias e o mesmo número no sentido contrário, incluindo voos regionais como Dar es Salam, na Tanzânia, e Johannesburg, na África do Sul.
Nas condições descritas, a LAM transporta 1.830 passageiros diariamente, sendo metade em cada sentido.
Actualmente, a LAM tem capacidade instalada de 275 lugares, o que significa que pode escoar esse número de Maputo para as províncias e o mesmo no sentido contrário, incluindo destinos regionais acima referenciados. Assim, nas actuais condições, a transportadora aérea nacional pode transportar 550 passageiros por dia.
Essa situação tem embaraçado grosso modo os utentes que buscam pelos serviços da LAM, que são obrigados a estar horas a fio nos aeroportos nacionais.
“Nos fazíamos voos para todos destinos nacionais numa base diária, agora não estamos a conseguir dar uma resposta diária. Podemos, por exemplo, fazer os voos Maputo-Nampula-Maputo; Maputo-Pemba- Maputo e cancelamos os voos de Chimoio e Beira. É uma rotina diária que temos que fazer gestão”, disse.
Para sair da situação, Cossa disse que a empresa está a negociar com diferentes parceiros. Sem avançar datas, prometeu que dentro em breve será alcançado um acordo nesse sentido, mas o SAVANA sabe que o processo não está sendo fácil devido a problemas de tesouraria que a empresa enfrenta e o descrédito que tem nos mercados internacionais por conta dos inúmeros incumprimentos.
No entanto, fez notar que para uma medida de curto prazo para resolver esta situação pontual, a LAM precisa, no mínimo, de dois Boeing 737-700 com capacidade de 132 passageiros cada, ou ainda uma opção mista envolvendo um Boeing 737-700 e um Embraer 190 de 89 lugares.
Como medida de longo prazo, o porta-voz fala da necessidade de sete aviões que podem garantir as operações da companhia sem sobressaltos.
Finalização das escrituras
Como parte da solução visando a reestruturação da companhia de bandeira nacional, cujos indicadores se deterioraram ainda mais após a intervenção da sul-africana, Fly Modern Ark (FMA), o governo decidiu alienar 91% dos 96 % das acções detidas pelo Estado na LAM para três empresas públicas, CFM, HCB e EMOSE.
Trata-se de uma operação bastante criticada, pelo facto de o Estado vender acções para empresas que detém o respectivo controlo.
Com esta operação, a companhia de bandeira espera um encaixe de USD 130 milhões, parte dos quais serão usados para aquisição de aeronaves.
Esta quinta-feira, o SAVANA questionou a PCA do IGEPE, Ana Senda Coanai, sobre o estágio do processo da entrada de novos investidores na LAM.
Coanai explicou que a operação está no processo de finalização, aguardando neste momento a assinatura dos contratos de compra e venda e das respectivas escrituras.
Depois de o governo ter autorizado a venda, era necessário, segundo a dirigente, que as empresas aprovassem os documentos que estabelecem o número de acções por serem adquiridas por cada companhia em sede das respectivas assembleias-gerais.
Disse que esse processo foi concluído esta semana e, dentro em breve, deverão seguir os passos subsequentes que vão culminar com o desembolso dos USD 130 milhões, que irão permitir a LAM investir parte do valor na aquisição de sete aviões e outra parte no processo de reestruturação da empresa, entre outros.
Há indicações de que a outra parte do valor pode ser usada para o pagamento de indemnizações dos trabalhadores, que serão atingidos no âmbito do prometido processo de racionalização da mão-de-obra ociosa no seio da companhia, que conta com cerca de 800 trabalhadores, actualmente sustentados por três pequenos aviões.
Coanai assinalou ainda que será realizada uma Assembleia-Geral da LAM, em data por anunciar, na qual serão apresentados e integrados os novos accionistas, exercício que marcará o desfecho do dossier.
No entanto, no âmbito do programa de governação dos primeiros 100 dias, o executivo comprometeu-se a comprar duas aeronaves, mas até agora não se vislumbra nenhum sinal. Ana Senda Coanai remeteu a responsabilidade do assunto ao executivo, sublinhando que cabe ao governo responder.