A Secção Comercial do Tribunal Judicial da Província de Nampula julgou improcedente a acção movida pelo Grupo Royal contra empresas que se dedicam à comercialização agrícola no Norte de Moçambique, acusadas de terem estado por detrás da denúncia que determinou o arresto, no porto de Mumbai, no ano passado, do navio M/V Ruby, que transportava feijão bóer e soja exportados pelo Grupo liderado por Hassnein Mamadataki.
Na sentença, com data de 10 de Novembro, assinada pelo juiz Mahomed Khaled Varinda, o Grupo Royal foi igualmente condenado por “litigância de má-fé”, sendo, por isso, obrigado a pagar uma multa simbólica de 15 mil meticais.
O Grupo Royal submeteu ao Tribunal uma acção contra Export Marketing Company, Export Marketing Company (Beira), ETG Pulses Mozambique, Agro Processors&Exporters, e Agro Industries, tendo fixado como valor do caso, um montante de 60.6 milhões de dólares norte-americanos. Todas as empresas têm em comum o facto de exercerem a mesma actividade, que exerce o Grupo Royal, que é a comercialização de produtos agrícolas.
A ligação entre o barco arrestado na Índia e a acção do Grupo Royal em Moçambique surgiu depois do juiz Varinda ter aceite, por via de uma providência cautelar interposta a 14 de Outubro de 2022, arrestar os bens de 18 empresas pertencentes a quatro grupos económicos, acusados pela Royal de estarem por detrás da denúncia que determinou o arresto, no porto de Mumbai, do navio M/V Ruby, que transportava feijão bóer e soja exportados pela “Royal”.
O referido arresto de bens envolveu 18 empresas dos grupos AM, ETG, Afrisian e Patel. À excepção do grupo ETG, como reportou na altura o jornal, os outros grupos entraram em acordo com a “Royal”, comunicando-se ao tribunal a sua desistência no processo. O arresto envolveu as propriedades em todo o país (maioritariamente armazéns) produtos da comercialização agrícola (gergelim, feijão bóer, amendoim, castanha de caju) e as contas bancárias das empresas do grupo ETG. Na altura, o juiz Varinda ordenou ainda que oito navios, no Porto de Nacala ou a aguardar carregamentos de produtos das empresas arrestadas, deviam aguardar o desenrolar dos acontecimentos em tribunal, uma decisão que paralisou, literalmente, o Porto de Nacala.
Recorde-se que o navio M/V Ruby partiu do Porto de Nacala para Mumbai a 25 de Agosto de 2022, transportando 11.500 toneladas de feijão bóer e 17 mil toneladas de soja.
Ao que apurámos na altura, o governo indiano arrestou o barco por denúncia de que se tratava de soja vinda originalmente do Uruguai, geneticamente modificada (GMO) e reembarcada em Nacala pelo Grupo Royal, baseado em Nampula. O Grupo Royal apontou, directamente, o dedo à ETG, um grupo liderado pela empresa Export Marketing, de denúncia caluniosa para o afastar do mercado indiano. Porém, as autoridades indianas procederam à análise da soja e declararam-na GMO, tendo confiscado a mercadoria.
Anteriormente, a 24 de Maio de 2022, esteve atracado no porto de Nacala o navio M/S Polaris Z, agenciado pela transitária LBH, tendo carregado para o mesmo porto de Mumbai 3.363,49 toneladas de feijão bóer e 13.289,51 toneladas de soja. Segundo as autoridades portuárias moçambicanas, a soja foi rejeitada no porto de destino, tendo o mesmo navio, com passagem pelo porto paquistanês de Carachi, descarregado a mesma quantidade de soja no porto de Nacala a 25 de Dezembro de 2022. Não são conhecidos quaisquer procedimentos fitossanitários do MADER (Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural) em relação à soja devolvida pela Índia.
Julgamento e condenação da Royal
No julgamento da acção principal subsequente à providência cautelar, cuja sentença foi lavrada a 10 de Novembro passado, o Grupo Royal argumentou, em tribunal, que terão sido as empresas a fazerem a denúncia anónima às autoridades indianas, com o recurso a um certificado fitossanitário emitido pelo MADER. Mas, na sentença, o juiz Varinda disse que não encontrou elementos que provam que os documentos apresentados na Índia partiram de Moçambique, como “também não existe nos autos qualquer elemento que sustenta que terão sido algumas das rés a fazer a denúncia às autoridades indianas”.
“Não havendo algum elemento que indicie a existência de uma denúncia das autoridades indianas, conclui-se que as autoridades aduaneiras da Índia ao suspender o descarregamento da mercadoria estavam a obedecer com as normas constantes na lei de segurança e padrões alimentares daquele país, pois, do documento nº 15 junto a PI (Petição Inicial), resulta de forma clara e inequívoca que as autoridades indianas independentemente de existirem certificados fitossanitários emitidos pela autoridade competente de um Estado sobre a conformidade do produto agrícola a exportar, são obrigados a fazer testes adicionais do produto, o que terá acontecido”, lê-se na sentença.
Aliás, como foi, na altura, massivamente noticiado pelos media indianos, a descarga do navio foi descontinuada a 19 de Setembro de 2022, quando restavam 11.000 toneladas de carga a bordo. A ordem veio de uma equipa de inteligência aduaneira indiana, que foi a bordo do navio para recolher novas amostras, pois a soja GMO tinha sido acondicionada por debaixo de outra mercadoria. Contribuiu para a investigação das Alfândegas uma denúncia da Associação dos Processadores de Soja da Índia (SOPA), em carta dirigida a 09 de Setembro do ano passado ao Ministério da Agricultura da Índia e assinada pelo seu director-executivo D. N. Pathak.
A entrada da soja geneticamente modificado tem estado a gerar preocupações na Índia. A SOPA, o principal órgão comercial da oleaginosa na Índia, tem estado a apelar à intervenção do governo de Narendra Modi para impedir a importação ilegal de soja GMO para o país. A operação também tem grandes benefícios aduaneiros na Índia já que a soja originária de Moçambique goza de isenção, enquanto os cereais importados do Uruguai e do Brasil têm uma imposição aduaneira de 45%.
Segundo a sentença do juiz Varinda, não ficou provado que a acção do Gabinete Especial de Inteligência da Índia foi movida com base numa denúncia anónima provinda de Moçambique.
O Tribunal de Nampula sublinha que, apesar de ter juntado uma pilha de documentos, o Grupo Royal sabia claramente que não existia nenhuma denúncia anónima e que a interdição do descarregamento da sua mercadoria no Porto de Mumbai deveu-se a um procedimento legal das autoridades aduaneiras indianas.