O colectivo de Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo (TS) ordenou, nesta terça-feira, 15, a soltura da ré Ângela Gregório Leão, condenada a 11 anos de prisão, devido ao seu envolvimento nas dívidas ocultas.
Ângela Leão teve a liberdade condicional por ter cumprido metade da pena. A decisão do TS de soltar, condicionalmente, a esposa do antigo director-geral do Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE), Gregório Leão, abre espaço para os outros sete réus, ora em reclusão, seguirem o caminho de casa.
A decisão do Supremo coloca fim à batalha jurídica derivada da interpretação da lei penal. É que, na perceção do Juiz do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo assim como do colectivo de Juízes do Tribunal Superior de Recurso, os condenados das dívidas ocultas teriam direito à liberdade condicional depois de cumprir três quartos da pena.
Para a decisão, os juízes das instâncias inferiores suportaram-se no estatuído do novo Código Penal (CP), sobretudo os artigos 153 e 69. A conjugação dos artigos 69 e 153 do CP de 2019 refere que nos crimes de branqueamento de capitais, corrupção e conexos, os condenados só podem ser colocados em liberdade condicional se tiverem cumprido, pelo menos, três quartos da pena, além de se mostrarem arrependidos e aptos para seguir vida honesta. Neste caso, Ângela Leão devia cumprir no mínimo oito anos de prisão.
Contudo, os conselheiros Luís Mondlane, António Namburete, João Beirão e Isabel Rupia entenderam que num quadro de sucessão das leis no tempo, em que se verifique uma modificação do regime de punição, o intérprete deverá proceder com a confrontação dos regimes por forma a determinar quais as normas aplicáveis ao caso concreto, por qualquer das modalidades, ultra ou retroactivamente, tudo isso orientado no critério de selecção do regime mais favorável ao arguido.
Frisam que se a nova lei agrava os pressupostos para o benefício da liberdade condicional, com extensão do período de cumprimento da pena de prisão efectiva, aplicar-se-á a lei anterior, vigente ao tempo da prática do crime e da instauração do procedimento criminal, tanto mais que, por força deste princípio, a tramitação do processo e o julgamento correram a égide da lei anterior.
Para argumentar a libertação de Ângela Lerão, os juízes do Supremo explicam que resulta do princípio da legalidade que é aplicável a lei de execução das sanções criminais e das medidas de coacção anterior ao início do processo em que elas sejam decretadas, da aplicação imediata da nova lei resultar agravamento sensível da situação do arguido ou condenado.
“Tem-se assim como padrão referencial o momento da prática da infracção e não o da prolação da decisão condenatória ou qualquer outro”, lê-se no Acórdão do TS.
Quanto ao argumento das instâncias inferiores de que os réus das dívidas ocultas deviam cumprir no mínimo três quartos da pena, os conselheiros do TS referem que do confronto do quadro normativo, neste caso, será aplicável a lei anterior, isto é, o Código Penal anterior a de 2019, que, rege a tramitação do processo, em tudo se mostrar favorável ao arguido.
“Não é razoável, por afronta ao princípio da legalidade aliado aos princípios da segurança jurídica e da protecção de confiança que o arguido seja surpreendido com agravamento das normas incriminadoras e de execução das sanções criminais numa fase em que foi acusado, pronunciado, julgado e condenado, com aplicação da legislação penal, substantiva e adjectiva anterior porque é favorável ao arguido”, escreve o veredito do Supremo.
Recordar que em Dezembro de 2022, a Décima Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), liderada por Efigénio Baptista, condenou 11 dos 19 réus envolvidos no processo das dívidas ocultas, que lesaram o Estado moçambicano em 2.2 mil milhões de dólares americanos.
Efigénio Baptista aplicou a pena máxima de 12 anos para os co-réus António Carlos do Rosário, Gregório Leão, Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa e Renato Matusse pelo elevado grau de culpabilidade e envolvimento no crime, o grau de arrependimento, entre outros aspectos relevantes.
O juiz também condenou os co-réus Fabião Mabunda, Ângela Leão, Inês Moiane e Sérgio Namburte a penas de 11 anos cada, tendo atribuído a pena de 10 anos ao réu Cipriano Mutota.
No mesmo processo, foram absolvidos oitos réus, nomeadamente Sidónio Sitoe, Crimildo Manjate, Nbanda Henning, Kissaugi Pulchand, Simione Mahumane, Naimo Quimbine, Elias Moiane e Zulficar Ali.