António Muchanga, um dos mais combativos deputados da Renamo, principal partido da oposição, na Assembleia da República, e cabeça-de-lista no município da Matola, rejeita que esteja a ser brando na contestação aos resultados das eleições autárquicas de 11 de Outubro. Em entrevista ao SAVANA, Muchanga considera que as formas de luta na Matola e em Maputo são diferentes, porque na capital do país há núcleos de descontentes facilmente mobilizáveis do que na autarquia da Matola.
Diz que a Renamo quer esgotar todas as vias legais na contestação aos resultados eleitorais. Depois de a porta da via legal fechar-se completamente, o principal partido da oposição vai ponderar os próximos passos.
Mas avisa que se os órgãos judiciais mantiverem resultados que a Renamo considera fraudulentos, estarão criadas as condições para o principal partido da oposição actuar como o movimento islamita palestiniano Hamas, envolvido numa sangrenta guerra com Israel. Ou como Hezbollah, a poderosa milícia libanesa, com mais capacidade de acção do que o próprio exército do Líbano.
O Conselho Constitucional (CC) proclamou e validou, no passado dia 24 de Novembro, os resultados das sextas eleições autárquicas. Está conformado ou ainda espera por algo excepcional?
Não estou conformado. Nós interpusemos, em tempo útil, um pedido para clarificação junto ao CC, porque tudo o quanto é decisão de um tribunal deve ser tomado na base da lei. A decisão tomada pelo CC não foi fundamentada e toda decisão que não tem fundamento legal não é válida na República de Moçambique, quem assim o diz não sou eu, é a Constituição da República.
Também submetemos uma acção na Procuradoria-Geral da República (PGR), para verificar o que terá acontecido, uma vez que não colocamos de fora a possibilidade de ter havido corrupção eleitoral onde os membros do CC (incluindo os representantes da Renamo) podem ter ganho benefícios por terem aceitado trocar resultados. Juntamos as provas e o CC não está a dizer-nos que tratamento deu às nossas provas. Se o CC entender que inventámos resultados, que nos mande prender.
Há um entendimento na comunidade jurídica que indica que a aclaração não é revisão do acórdão, é clarificar determinados aspectos. Acha que esse pedido vai mudar alguma coisa?
Estamos a pedir que o CC nos explique onde arranjou os 32 assentos que atribui à Renamo na Matola, uma vez que os resultados da Comissão Nacional de Eleições (CNE) davam 27 assentos. Isto porque na lei eleitoral e na própria lei orgânica do CC, não há nenhuma competência dada a este órgão para reverificar os resultados.
O CC não pode inventar competências que a lei não lhe atribui.
Inércia na Matola
Há um sentimento de que o cabeça-de- lista da Renamo na Matola foi muito manso na contestação dos resultados eleitorais, quando comparado com outros cabeças-de-lista do mesmo partido, como é o caso de Maputo e Quelimane. O mesmo se sentiu em 2018. O que está a acontecer?
Em 2018, o cerco estava apenas na Matola. Em 2023, a macacada foi feita em todo o país. É preciso saber que naquela altura, antes da divulgação dos resultados, a Frelimo mandou blindados cercarem toda a gente, o que não é o caso do que está a acontecer hoje.
Em 2018, tínhamos problemas de provas que eram ínfimas. A diferença que tínhamos com a Frelimo era de dois mil votos a mais. Em relação aos assentos, estávamos empatados. O MDM tinha três assentos e era o interlocutor válido que deveria reivindicar o seu terceiro assento, mas o MDM preferiu negociar o seu assento, para ficar com dois fortalecendo a Frelimo.
Em 2023 foi diferente. Tínhamos toda a convicção de que as coisas iriam mudar, porque conseguimos juntar provas, sabemos de todos os arranjos que a Frelimo fez.
No caso da Matola, a Frelimo não preencheu novos editais, rasurou editais usados na contabilização. Tínhamos confiança de que as instituições, seguindo aquilo que a legalidade recomenda, iriam fazer a vontade do povo que nos deu o poder. Lamentavelmente, inverteram tudo.
Voltando à sua mansidão na contestação dos resultados …
As formas de fazer manifestação na Matola e Maputo são diametralmente diferentes por causa do tipo de pessoas. Em Maputo, é fácil recrutar pessoas. Na base dos madjermane posso recrutar 300 pessoas agora mesmo. A mesma fórmula aplica-se no mercado Xipamanine, Xiquelene, Estrela Vermelha onde posso juntar duas mil pessoas. Aqui há núcleos de pessoas descontentes que você pode usar a qualquer hora e a seu bel-prazer.
Venâncio Mondlane está a usar descontentes e não precisamente membros da Renamo?
Os descontentes é que fazem a revolução. Não é basicamente membro da Renamo que ajuda a reivindicar em Maputo. É qualquer um dentre esses, incluindo pessoas que não têm cartão de eleitor e aquelas que não votaram. Não é verdade que não há manifestação na Matola. Nós privilegiamos a imprensa oficial, enquanto outros apostam nas redes sociais.
Está a dizer que faltou uma estratégia para dar visibilidade às suas manifestações?
Cada um de nós se organiza e faz a sua manifestação. O importante é cumprir as recomendações da Comissão Política de que devemos nos manifestar em todos os municípios onde ganhamos e estamos a fazer isso.
Não sente que a mansidão da Renamo na Matola está a favorecer a Frelimo?
Não há mansidão nenhuma. Você não vai ver a Renamo na rua no dia em que não está a manifestar-se. Hoje, por exemplo [quarta-feira, 27], não há manifestação na rua. Maputo manifestava-se às terças-feiras, quintas-feiras e sábados, enquanto na Matola manifestávamos às segundas e quartas-feiras. Sou relator de uma comissão na AR, tenho obrigações por cumprir. Venâncio é relator da bancada, o que significa que pode estar como não nas sessões plenárias, significando que ele tem mais tempo em relação a mim.
É preciso frisar que a manifestação não é de António Muchanga é do partido. As próprias dinâmicas da cidade de Maputo e Matola são muito diferentes.
Não receia que esta aparente inércia da Renamo na Matola possa ser vista como cumplicidade com as alegações de fraude que têm sido propaladas?
Quem trouxe instrumentos e provas de fraude fui eu. Se eu não estivesse interessado em clarificar que houve fraude, teria colhido o material e guardado no meu bolso, não foi isso que fiz. Tirei cópias e distribuí a todos interessados. Eu procuro pela justiça eleitoral e não de ser interpretado. Aqueles que roubaram votos devem devolver aquilo que é da Renamo. A Renamo ganhou com mais de 86 mil votos de diferença na Matola. Na cidade de Maputo, a diferença de votos entre a Renamo e Frelimo é de 65 mil votos. Nós somos o maior vencedor destas eleições.
A Renamo recorreu aos órgãos da Justiça para contestar aquilo que apelida de ilícitos eleitorais. Mas, por outro lado, acusa esses órgãos de estarem em conluio com a Frelimo. A Renamo não estará a se contradizer?
Confiando ou não, o próprio povo é que nos aconselhou a proceder dessa forma. Quando Dhlakama pegou em armas em 2015, foi dito que não tinha esgotado os mecanismos legais. Desta vez, queremos esgotá-los. Submetemos processos ao CC e à PGR e aguardamos pelos resultados. Se ambos não responderem, vamos ver o que fazer. No entanto, tenho informações de que a PGR está a trabalhar, depois vamos ver se é bom ou mau trabalho.
Estão a empurrar-nos para a linha do Hamas e Hezbollah
Estamos a cerca de 45 dias do empossamento de novos edis. Caso isso se materialize antes de o CC e da PGR se pronunciarem relativamente aos processos submetidos pela Renamo, o que acontecerá?
Vão saber no devido momento. Não posso adiantar nada. Que fique claro que haverá uma acção consentânea com a realidade.
Caminhamos para mais um pleito em 2024. Que estratégias podem ser usadas para que a oposição conquiste o poder, dado que pela via eleitoral parece impossível?
Nós dizíamos e parece que vocês nunca quiseram ouvir-nos que a linguagem que a Frelimo entende é de pólvora.
O que isso significa?
Enquanto a Frelimo continuar única detentora de armas, vai abusar. Mais dias e menos dias, temos de ter no país aquilo que tem na Palestina, onde existe a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o Hamas. Caso não, temos de ter aquilo que tem no Líbano, onde, para além do governo oficial, tem Hezbollah.
Este momento seria ideal para mexer no Hamas e no Hezbollah nacionais para tomar conta desses edis. Não sei se isso será bom para o povo moçambicano.
Está a dizer que a Renamo vai criar um braço armado depois do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR)?
Não será criado pela Renamo, mas sim pelo povo. É a tal terceira via que está sendo proposta agora. A primeira foi de libertar o povo moçambicano do colonialismo português, depois foi a luta pela democracia e haverá um braço armado para controlar as instituições, para disciplinar os dirigentes que se comportam como membros da Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) e CC.
Não estará a deturpar a terceira via defendida pelos professores Severino Ngoenha e José Castiano, porque não contemplam a via armada, mas sim o desenvolvimento com base no equilíbrio entre a justiça social e as liberdades individuais.
Eles só não querem dizer, porque são académicos e filósofos. Nós entendemos muito bem o discurso deles. Não há como ter desenvolvimento, enquanto a Frelimo estiver no poder e a comportar-se do jeito que se comporta.
A Frelimo não está interessada em eleições. A Frelimo usa as eleições como forma de tirar dinheiro do Estado para aquisição de material eleitoral e com isso redistribuir-se dividendos com os donos das empresas. Era preciso chegarmos a este nível para todas as pessoas apoiarem a terceira via.
Nessa óptica, tivemos já várias “terceiras vias”, com o presidente Dhlakama, tendo resultado na assinatura de três acordos, com três diferentes presidentes da República e da Frelimo.
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Dhlakama dizia que o regime passa o tempo a roubar e vocês desmentiam. Não há nenhuma escola que a Frelimo tenha ganho na Matola e é declarada vencedora. Como é possível isso? Não há nenhuma escola onde a Frelimo ganhou em Maputo e foi declarada vencedora, como? Os resultados eleitorais no país não podem depender de Filipe Nyusi, Celso Correia e Verônica Macamo. Então, terá de se encontrar a terceira via.
Acha que o voto electrónico pode ser a solução do crónico problema de fraude eleitoral e evitar a criação de futuros Hamas e Hezbollah em Moçambique?
Voto electrónico ou não, quando a vontade dos homens é desvirtuar a verdade, nunca teremos eleições transparentes.
Nós não temos capacidade de dirigir instituições e precisámos de encontrar pessoas de outras nacionalidades para dirigirem algumas instituições, como CC e CNE, pois tenho a certeza de que não teriam feito a pouca-vergonha que os nossos fizeram.
A Frelimo está a forçar pessoas a perder interesse pelas eleições
Não acha que a composição dos órgãos eleitorais contribui para a falta de transparência das nossas eleições?
O modelo dos órgãos eleitorais não é problema, porque ajuda a garantir a transparência. O papel dos órgãos eleitorais não é de votar nas actas deliberativas, mas fazer o somatório dos resultados dos editais e divulgá-los.
No apuramento intermédio, tem de se fazer um mapa dos resultados de todas as mesas que depois é projectado. Os mandatários dos partidos tiram notas e reclamam, por isso se diz que a reclamação é feita na mesa. É mesmo para se confirmar os dados das mesas. Não pode aparecer um edital em que a Renamo, MDM, ND e Sociedade Civil apresentem dados iguais e a Frelimo sozinha ter dados diferentes.
As eleições foram realizadas nas assembleias de voto, onde se tirou o edital original e cópias para os partidos participantes e para os membros das mesas de voto.
Havendo divergências de números, são solicitados os editais para comparação.
Por isso é que se exige provas quando alguém apresenta alguma queixa no tribunal e nós fizemos isso.
Reclamamos em Marracuene, pese embora sabíamos que não tínhamos ganho. Tínhamos uma diferença de um assento, saímos de 18 para 19. Na Matola Rio, os votos que nos aldrabaram não eram suficientes para termos um assento, mas ajudou a trazer um assento para o MDM que tinha dois e ficou com três.
Reclamamos na Matola, esperávamos que se fizesse o mesmo e nada foi feito.
O que falhou na Matola?
Foi a vontade do partido Frelimo de não querer entregar o poder em municípios como Matola, Maputo, Nampula, Quelimane, Gurué. Legalmente, a Frelimo perdeu em 23 autarquias, incluindo Beira.
A Renamo não submeteu nenhuma reclamação em relação a Alto Molócuè, mas surpreendentemente foi-nos dada a vitória.
No vosso pedido de aclaração, o CC pode rever esses resultados?
Eles andaram a distribuir e nós queremos saber qual foi a base usada apenas. Dizem que não podiam nos dar Matola, porque tem lá a escola do partido, que tirem a escola e me entreguem o município. Não querem entregar Maputo, porque é capital, isso não faz sentido.
O sentimento de traição dos eleitores nas autarquias não levará a uma grande abstenção nas eleições de 2024?
Esse é o objectivo da Frelimo de forçar as pessoas para que não se interessem pelas eleições. Nós estamos a trabalhar para o povo entender que vale a pena insistir e continuar a insistir. Esta fraude da Frelimo teve o beneplácito de uma observação nacional toda ela infiltrada. A maior parte das ONG que trabalharam na observação eleitoral agiram em benefício da Frelimo.
Representantes da Renamo no CC e na CNE devem se explicar
Falou da necessidade de se investigar a possível corrupção nos órgãos eleitorais. Na CNE, dois membros da Renamo não estiveram na hora de votação. No CC, outros dois votaram a favor do acórdão. Isso mostra divisão no seio da própria Renamo?
Isso eles vão explicar em sede própria. Nós metemos processos contra os membros do CC, CNE e STAE. Os nossos membros estão incluídos nesse pacote. A cada nível onde identificámos problemas, submetemos processos. Eles devem ser ouvidos, para se explicarem melhor. O importante é fundamentarem os seus posicionamentos, porque o facto de estarem naqueles órgãos não significa que devem pisotear a lei para favorecer a Renamo.
No CC, tinham a possibilidade de fazer o voto vencido e não o fizeram. Apresentamos provas da fraude e queremos saber o que eles fizeram com a vasta documentação submetida. Na CNE foram questões de saúde, mas há processos em curso também que incluem membros da Renamo.
Venâncio Mondlane nunca me apoiou
As eleições criaram um sentimento de divisão no seio da Renamo. Venâncio Mondlane criticou a falta de apoio da direcção do partido nas suas reivindicações pela reposição da suposta vitória eleitoral. Recentemente, vimos o desalinhamento em Nacala Porto.
Vamos por partes. Os nacalenses entendiam que não devia haver eleições apenas em algumas mesas. Havendo repetição, devia ser em toda autarquia. Nós estamos a dizer que essa coisa de lutar de fora já não funciona, porque é isso que a Frelimo quer. Eles tomaram aquela decisão e não foram, mas a orientação oficial era de participarem.
Venâncio Mondlane apareceu a dizer que foi mal-interpretado. Ele gostaria de ter toda a gente nas suas marchas, o que não é possível. Pessoalmente, estive cá para apoiá-lo, ele nunca me veio apoiar na Matola e não fiz barulho.
A reivindicação em si é uma demonstração política e não altera as decisões. O processo que temos que fazer é aquele que já fizemos, que foi de submeter documentos junto às instituições.
Instituições perderam prestígio
O presidente da Renamo anda desparecido em combate. A última aparição pública foi após a promulgação dos resultados pelo CC, tendo dito que não vai se contentar com migalhas, mas escasseiam acções. O que estaria a acontecer?
Não posso responder pelo presidente. Tens de colocar a ele essa questão para saber o que está a acontecer.
Conversa com ele sobre o processo eleitoral e sobre o seu desaparecimento na esfera pública?
Converso muito bem com ele. Preciso sublinhar que ele recebeu uma orientação médica para ter um repouso absoluto e não conseguia fazê-lo por causa desta situação. Mesmo quando reuniu com diplomatas era em violação à orientação médica.
O Parlamento moçambicano testemunhou um raro momento com a contestação da Renamo durante a apresentação do informe do chefe de Estado. As cenas de arruaça que a sua bancada protagonizou não aprofundam o desprestígio do Parlamento?
O nosso Parlamento há muito que perdeu prestígio. É um Parlamento que não esperava ver. As instituições na República de Moçambique não têm prestígio, a partir do próprio presidente República. Se você perguntar se ele é merecedor de viver da presidência da República, vão dizer que não.
Porquê o presidente Nyusi não tem prestígio?
Devido à forma como ele age, como ele cria os seus grupos de interesse, o tipo de assuntos em que está envolvido e com as respectivas pessoas com quem se envolve.
Sendo a Assembleia da República a casa do povo, não acham que perturbaram o direito do povo de ouvir a avaliação do chefe de Estado sobre o estado da Nação.
Não. O povo gostou e até hoje recebo felicitações e mensagens que dizem que se pudéssemos fazer aquilo em todo acto público onde Nyusi estiver seria muito bom. Nyusi é número um no roubo de votos, porque é presidente da Frelimo.
O facto de o presidente ter prosseguido com a leitura do informe foi ou não uma derrota política para a Renamo?
Quem tem de avaliar isso é o povo, nós sentimos que cumprimos o nosso dever. As manifestações de rua devem ser feitas em todo o canto. Agora estamos em festas e logo a seguir vamos retomar.
Temos um processo à vista em 2024. Temos de continuar com os actuais órgãos eleitorais?
Dependendo daquilo que a PGR aferir, no âmbito da sua competência de garantir legalidade, aí pode-se decidir o que se pode fazer. Obrigar-se (Dom Carlos) Matsinhe a renunciar e todos da CNE que se acham que são problemáticos a renunciarem e indicar-se novas pessoas. O mesmo cenário deve ser repetido no STAE.
O mandato do CC termina em Agosto, é só remover todos e colocar outras pessoas, incluindo os da Renamo.
Quem acha que deve estar no CC?
Temos pessoas que já estiveram lá e saíram sem grandes manchas. É só conversar com pessoas como Teodato Hunguana e Rui Baltazar, para voltarem. Porque pelo menos não saíram com manchas iguais aos actuais titulares.