Os preços de parte do equipamento destinado à EMATUM foram significativamente empolados, o que tornaria quase impossível que a empresa amortizasse os empréstimos contraídos para o seu financiamento, e ainda produzir lucros, de acordo com especialistas que foram solicitados a dar a sua opinião profissional junto do Tribunal de Londres, que julga o processo movido por Moçambique, visando a anulação das dívidas contraídas por este país junto de credores internacionais para a viabilização de um projecto integrado de protecção marítima.
Um dos especialistas é Richard Banks, economista, administrador e membro fundador da Poseidon, uma empresa de consultoria na área das pescas com sede na Austrália. No seu resumo, diz ter um conhecimento prático do sector das pescas em Moçambique, tendo trabalhado no país em 2003-2004 como revisor de um programa da SADC sobre as pescas, como líder de uma equipa que foi encarregado de proceder à avaliação da Parceria entre Moçambique e a União Europeia no domínio das pescas em 2004, e em 2010 como conselheiro económico para os sistemas de gestão da pesca artesanal.
Com cera de 40 anos de experiência, Banks considera que as 24 embarcações (21 palangreiros e três arrastões), que no contracto de fornecimento estão orçadas em 22,3 milhões de dólares cada, custariam na verdade 3,1 milhões de dólares (aos preços de 2013), conforme um anúncio de venda de equipamento com as mesmas especificações feito pela empresa Seaboats Marine Brokers, em 2021.
Relatório da Kroll
O relatório da auditoria da Kroll, consultado pelo SAVANA, dá a conhecer que a Privinvest, inflacionou o custo dos serviços e bens que forneceu a Moçambique em, pelo menos, USD713 milhões. Cada barco da Ematum tem uma factura no valor de USD 22 milhões, enquanto no plano de negócios da MAM são USD 10.5 milhões, cada. São valores próximos dos apurados pelo especialista Banks, ouvido no Tribunal de Londres.
Peritos independentes da Kroll consideram, contudo, que cada barco devia custar apenas dois milhões de dólares. No total, um terço dos dois biliões de dólares da dívida secreta corresponde ao montante inflacionado. Porém, a Kroll diz, no seu relatório, que não conseguiu informação suficiente, o que impediu saber para onde foi o dinheiro ou como foi usado.
Recorrendo à experiência de embarcações similares de 23 metros de comprimento fornecidas a operadores de Taiwan, em 2021, Banks diz que estas estavam a ser entregues ao custo total (incluindo frete) de 1,21 milhões de dólares cada.
Com base nesses dados, diz Banks, “a minha estimativa para um novo palangreiro entregue à ENMATUM em 2013 está na casa dos 3,19 milhões de dólares (tomando em conta o custo do frete da Europa para Moçambique). Portanto, o valor total dos 21 palangreiros em 2013 teria estado na casa dos 66,99 milhões de dólares”.
Acrescenta que do seu ponto de vista, o plano de negócios da EMATUM, tal como descrito no estudo de viabilidade, foi mal concebido, “e não remotamente viável”. Procede depois a uma demonstração de factos que consideram que os barcos nem sequer estavam adequadamente preparados para a pesca de atum, mas sim para uma variedade conhecida por peixe-espada.
Banks observa que com o uso de equipamento entre 2015 e 2022, a EMATUM teria obtido receitas avaliadas em 441 079 dólares por cada embarcação, em contraste com os nove milhões de dólares previstos no seu estudo de viabilidade. Com base nestes cálculos, a margem de lucro bruto (receitas menos custos operacionais) em média por ano estaria estimada em 237. 269 dólares negativos para cada embarcação. Considerando as 21 embarcações (palangreiros), isto representaria um prejuízo total acumulado de mais de 4,9 milhões de dólares.
“As embarcações seriam incapazes de gerar lucro durante os primeiros oito anos, simplesmente porque os projectados custos operacionais excederiam as receitas”, diz Banks.
Banks foi igualmente solicitado para analisar os termos do contracto de fornecimento entre a EMATUM e a Privinvest, face às práticas do mercado, e diz não ser uma prática comum que o valor correspondente seja pago à cabeça e na totalidade ao fornecedor, sem que este tenha realizado qualquer trabalho referente à encomenda em causa.
Considera igualmente que não é uma prática comum atribuir ao fornecedor a prerrogativa de subcontratar toda ou parte da encomenda a uma terceira parte da sua escolha ou com base no seu poder discricionário, sem uma consulta previa junto do cliente.
Outra questão que considera inaceitável é uma especificação no contracto da EMATUM, segundo a qual os preços constantes do mesmo poderiam ser agravados pelo fornecedor para incluir “quaisquer outros custos ou despesas que resultem da operacionalização das disposições deste contracto”.
Também não seria normal, do seu ponto de vista, que o contracto estabelecesse que os prazos para o seu cumprimento são apenas indicativos, sem qualquer obrigatoriedade de o fornecedor respeitar prazos previamente acordados.
Outro aspecto que Banks considera não ser comum é a efectivação, pelo fornecedor, de pagamentos não previstos no contracto a indivíduos relacionados com a parte contratante. Nota, por exemplo, que no dia 16 de Setembro de 2013, uma empresa do Grupo Privinvest transferiu três milhões de dólares para a EMATUM, seguida de uma outra transferência de 1,3 milhões de dólares no dia 22 de Setembro, e de 1 milhão de euros no dia 27 de Novembro de 2014.
Estes pagamentos não são comuns, diz Banks, “e não estão em conformidade com práticas contractuais normais”.
Investimentos
Nas suas alegações finais junto do tribunal, a Privinvest diz que estes pagamentos e outros que foram feitos para algumas personalidades moçambicanas visavam certos investimentos não especificados, que o grupo tinha a intenção de desenvolver em Moçambique.
Com este tipo de especialistas, trabalhando com os seus advogados da firma Paters & Peters, Moçambique procura sustentar as suas acusações de que todos os empréstimos ligados às dívidas ocultas, no valor total de 2,2 biliões de dólares, foram contraídos com base num esquema fraudulento desenhado pela Privinvest.
Segundo alegam as autoridades moçambicanas, a Privinvest corrompeu o então ministro das Finanças, Manuel Chang, levando-o a assinar as garantias soberanas que viabilizaram a contracção dos empréstimos, cujos valores foram canalizados na totalidade àquela empresa sedeada em Abu Dhabi. Juntamente com Chang, diz a acusação, a Privinvest corrompeu outras individualidades moçambicanas, incluindo altos funcionários do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), entre os quais o director-geral Gregório Leão e o seu director de inteligência económica António Carlos do Rosário.
Moçambique diz que os bancos envolvidos fecharam os olhos a todas as irregularidades, dado que alguns dos seus funcionários responsáveis pela tramitação dos empréstimos foram também corrompidos, num esquema em que eles próprios beneficiaram de parte do dinheiro canalizado à Privinvest.
Quanto ao valor do contracto da EMATUM, Banks observa que inicialmente era de 785,4 milhões de dólares, tendo subsequentemente sido alterado para 836,3 milhões de dólares, sem que, no entanto, houvesse qualquer alteração quanto ao fornecimento dos equipamentos e serviços inicialmente previstos.
A sua conclusão geral é de que as projecções de viabilidade da EMATUM exageraram a previsão de receitas através da colocação de um nível de captura de pescado que não era realístico.
“Preços não realistas foram depois aplicados sobre as exageradas quantidades para calcular as receitas que eram pelo menos três vezes mais do que seria comercialmente possível. O projecto não era viável – os custos de capital e os juros não seriam recuperáveis”, diz Banks.