Um estudo do Banco Mundial, que avalia o estado das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) até 2022, defendia que a companhia de bandeira devia ser declarada insolvente, para poder ser protegida dos seus credores, face à dívida de mais de 281 milhões de dólares acumulados na altura, e aos elevados custos de operação que a transportadora tem de suportar.
“É necessária a possibilidade de entrar em processo de declaração de falência para obter a protecção dos credores”, refere o estudo “Avaliação de risco da LAM – Opções de restruturação e mitigação”, a que o SAVANA teve acesso.
O documento, que tem escrita a frase “distribuição restrita”, não apresenta a data de publicação, mas refere dados sobre a situação da companhia até 2022, ou seja, antes de a transportadora passar a contar com a gestão da empresa sul-africana Fly Modern Ark (FMA), contratada pelo Governo moçambicano para a recuperação da firma de bandeira.
A FMA tem reivindicado a introdução de reformas, mas, ao mesmo tempo, denunciado práticas que considera lesivas à empresa, que supostamente já se tinham instalado antes de integrar a gestão da LAM, em Abril de 2023.
A avaliação do Banco Mundial assinala que “as formas bem-sucedidas da companhia aérea consistem na declaração da insolvência, para a obtenção da protecção legal dos credores, congelando os efeitos de bola de neve da dívida e a oferta de garantias legais que os credores precisam, para a redução ou cancelamento da dívida”.
Um procedimento de falência ou insolvência controlada implicaria um processo de transformação de três anos e um pacote de apoio financeiro avaliado em sete milhões de dólares, prossegue a análise do Banco Mundial.
Por cada dólar injectado na LAM, nove foram por empréstimo, e, infelizmente, a maioria sem ser através de aquisição de acções, avança o estudo.
O estudo recomenda o Governo a preparar e implementar medidas de boa gestão da LAM, visando assegurar uma baixa probabilidade de aumento de custos ou empréstimos acima da capacidade de reembolso.
O volume de negócios de 98 milhões de dólares que a LAM encaixa anualmente continua insuficiente, para o pagamento das obrigações que a transportadora tem, num contexto em que os empréstimos da companhia aérea ultrapassaram 112 milhões de dólares, só em 2012, lê-se no documento.
Acabar com MEX
Uma das soluções drásticas apontadas no estudo é o encerramento da transportadora subsidiária MEX, como parte do esforço de redução e contenção de custos.
“Não há uma justificação operacional, comercial ou financeira para a existência da MEX, como uma subsidiária”, enfatiza-se.
Por outro lado, deve ser melhorado o plano de manutenção e despesas, adoptar o papel de um controlador financeiro e desenvolver uma estratégia de aquisição de combustível, visando minimizar o impacto das despesas desta rubrica, com os custos gerais.
Despedir metade dos trabalhadores da LAM
As propostas avançadas pelo Banco Mundial têm um pesado custo humano, porque defendem a redução de 50% dos 782 trabalhadores que a companhia de bandeira tem no seu efectivo.
“A companhia aérea está sobrecarregada em termos de força laboral. Quando comparada com as outras transportadoras africanas, tem um rácio de produtividade de 50% do que o alcançado por outras companhias”, refere o estudo.
De acordo com a avaliação, a transportadora de bandeira gasta com o pessoal 18 milhões de dólares por ano, quase o dobro do custo ideal.
“A racionalização de pessoal é necessária, para que a empresa possa atingir níveis similares aos padrões de outras transportadoras, o que implica uma redução de aproximadamente 50% das despesas correntes”, continua o documento.
A diminuição de mão-de-obra desafia a empresa a apostar na melhoria da digitalização nas vendas e adequação do pessoal às necessidades da frota de aviões.
Apenas Joanesburgo dá dinheiro
O Banco Mundial assinala que só a rota Maputo-Joanesburgo é que dá retorno, nos voos regionais, uma conclusão que dá um rude golpe na política de internacionalização da LAM, que constitui uma bandeira para a FMA.
Para tornar viáveis os trajectos regionais, a transportadora nacional moçambicana deve apostar no modelo de “code share”, que é a partilha de operações com companhias congéneres, através da permuta de direitos de exploração de rota.
“A operação das rotas regionais, tirando Joanesburgo, não é sustentável no actual modelo, e devem ser exploradas parcerias estratégicas com outras transportadoras como a TAAG”, diz a análise.
Voos para Lichinga e Chimoio são inviáveis
O estudo nota que os voos para Chimoio e Lichinga são comercial e financeiramente negativos e só continuam porque são subsidiados pelo Governo, através do estatuto de prestação de serviço público.
Reconhece que outras rotas domésticas dão à LAM resultados operacionais positivos, mas graças a uma larga vantagem da posição monopolista de que a transportadora nacional goza.
Esses benefícios são também possíveis devido aos preços altos que a LAM pratica e à sobretaxa sobre os combustíveis, que cobre os custos desta despesa.
Vale notar que a FMA embarcou, desde 2023, numa política de redução tarifária, baixando os preços dos bilhetes de viagem.
Outras rotas, nomeadamente, Nacala, Xai-Xai e Inhambane têm de ter tratamento de serviço público e devem ser incluídas num plano de desenvolvimento de infra-estruturas e beneficiários de subsídios ou serem completamente retirados da operação da LAM, nota o estudo.
Por outro lado, prossegue, a LAM deve suspender imediatamente os voos para Nacala e Xai-Xai ou solicitar um pedido para obrigações de serviço público.
A transportadora também deve acabar com o sistema de ´leasing` de aeronaves assente no recurso a aparelhos de outras companhias.
Queda de Embraer afugentou clientes
O estudo assinala que a queda, na Namíbia, do avião Embraer 190 da LAM, que fazia o trajecto Maputo-Luanda, em 2013, levantou preocupações sobre os padrões de segurança da LAM, levando à fuga de passageiros.
A LAM deve igualmente identificar serviços que podem ser terciarizados ou que devem ser executados pelos aeroportos ou outros fornecedores, apostar na digitalização e automação e avaliar a possibilidade de empregar tripulações pequenas.
Nas actuais circunstâncias, a transportadora confronta-se com despesas exponenciais, que atingiram 34 milhões de dólares em 2019, baixando para 17 milhões de dólares em 2021, esperando-se que atinjam o mesmo nível em 2022.
O Banco Mundial assinala que a economia moçambicana tem baixo poder de compra e o mercado de transporte aéreo é um dos mais pequenos do continente, 82,5 lugares no avião para 1.000 habitantes, o que corresponde a 23,3 que a média do continente africano.
Esse rácio é muito menos do que a média mundial, que é de 694 assentos por 1.000, realça.
Papel de transportadora nacional
O Banco Mundial reconhece que deve ser mantido o papel de companhia nacional à LAM, até que o mercado do transporte aéreo alcance uma dimensão favorável à possível privatização da transportadora.
O estudo considera correcta a decisão da LAM de manter na sua frota Boeing 737 e o Bombardier Q400, mas defende que a transportadora deve substituir as operações a ´leasing` que estão a cargo da MEX.
Deve ainda adquirir um Q400, tão cedo quanto antes.
Depois de assumir a restruturação da LAM, a FMA anunciou a introdução de novos aparelhos na operação da transportadora moçambicana, o que ainda não aconteceu.