Menos de um mês depois de as Forças de Defesa e Segurança (FDS) terem lançado uma “operação de limpeza”, na costa de Macomia, quartel-general dos insurgentes, os “al-shabaab” estão em movimento de dispersão, havendo registo de uma movimentação desusada do inimigo em várias partes da província de Cabo Delgado. Enquanto a situação permanece incerta, o inimigo tem estado a causar, nesta dispersão, mais vítimas mortais e caos em vários distritos da província.
Terá sido no início de Abril corrente que as FDS lançaram, na costa de Macomia, sobretudo na área à volta do posto-administrativo de Mucojo, uma operação para reconquistar a região, perdida há longos meses para os insurgentes, que a transformaram na sua “Medinah” moçambicana, a segunda cidade mais sagrada do islão, depois de Meca.
Tal como referimos na edição passada, o administrador de Macomia confirmou a ocorrência de ofensivas das FDS com vista a “libertar” Mucojo. Tomás Badai, recorde-se, disse haver ordens para evacuação da população na costa de Macomia, chegando ao extremo de considerar quem lá permanece como “colaborador” dos insurgentes. Entretanto, até ao fecho desta edição, não estavam claros os resultados da operação lançada na costa de Macomia.
No entanto, desde a semana passada que se regista uma dispersão dos insurgentes, a partir da região, no que se acredita ser na sequência da ofensiva das forças governamentais. Um dos primeiros distritos para o qual os insurgentes se dirigiram, a partir da costa de Macomia, foi o vizinho Quissanga. No dia 9 de Abril, terça-feira da semana passada, cerca de 100 combatentes dos “al-shabaab” cruzaram as aldeias Olumboa e Darumba, na costa de Macomia, para Quissanga.
Terá sido parte deste grupo que, no mesmo dia, decapitou pelo menos quatro pessoas, encontradas a preparar bebidas tradicionais, o que, para os insurgentes, é “haram”, algo inaceitável. As vítimas, recorde-se, encontraram a morte na aldeia Namaluco, no distrito de Quissanga. De Namaluco, os insurgentes foram, no dia seguinte, à vizinha aldeia Cagembe, também em Quissanga, onde, nessa quarta-feira, 10, se juntaram à população muçulmana para celebrar o fim do mês sagrado do Ramadão.
Nesta sua dispersão, os insurgentes foram vistos, três dias depois, na aldeia Tarapa, no sul do posto-administrativo de Bilibiza, também em Quissanga. Relatos locais deram conta de que o grupo incluía mulheres e crianças. Cenários desta natureza, de movimentações com mulheres e crianças, foram comuns depois da chegada das tropas estrangeiras, quando os insurgentes se mudavam de antigas posições para novos refúgios, em resultado da pressão militar que sofreram.
Na altura, o SAVANA reportou situações em que dezenas de insurgentes abandonavam aldeias, com quase tudo e todos, desde “famílias” até a diversos utensílios.
Em Bilibiza, foi reportada a morte de pelo menos cinco pessoas, na quarta-feira da semana passada, dia 10. Também nestes últimos dias, um grupo de insurgentes tem estado a se desdobrar no distrito de Ancuabe. Não está claro se o grupo saiu de Macomia ou já estava na região antes dos acontecimentos dos últimos dias em Mucojo. Pelo menos um civil terá sido morto pelos insurgentes, em Ancuabe.
Mas, nos últimos dias, os “al-shabaab” penetraram, inclusivamente, em áreas pertentes a Palma e Mocímboa da Praia, dois dos distritos considerados mais seguros de Cabo Delgado, mercê da intervenção das tropas ruandesas. Em Palma, a placa giratória dos milionários projectos de gás, os jihadistas estiveram na Ilha Quifute. Em Mocímboa, estiveram em Tambuzi. Embora sem registo de vítimas mortais, eles saquearam casas e barracas. Neste movimento de dispersão, os insurgentes seguiram, igualmente, em direcção ao Rio Messalo, uma área que já serviu como uma retaguarda segura para a insurgência. Também houve relatos de desdobramento do inimigo no distrito de Meluco.
Alvos militares
Mas, neste novo episódio de guerra, de dispersão do inimigo, não são apenas civis que têm sido visados. Alvos militares também têm sido visados pelos insurgentes. Numa das incursões mais significativas da semana, os insurgentes atacaram, na passada terça-feira, 16, uma posição das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Trata-se de uma posição instalada na aldeia Napala, em Macomia, na via para o posto-administrativo de Mucojo.
O ataque resultou na morte e ferimento de um número não especificado de militares. Relatos locais deram conta de militares a chegarem a vila de Macomia a pé. Depois de vários dias no silêncio, esta semana, o Estado Islâmico reivindicou que os seus “soldados” atacaram uma posição em Napala, com vários tipos de armamento, matando três agentes das FDS e os restantes fugiram. Na mesma reivindicação, o Estado Islâmico referiu ter se apoderado de quantidades não especificadas de armamento e munições, antes de incendiarem a posição militar.
Mas, antes do ataque a Napala, os insurgentes confrontaram-se, no domingo, 14, com as FDS, na aldeia Nanduli, em Ancuabe. Até à hora do fecho, não havia registo de vítimas. À hora do fecho, também havia relatos ainda não confirmados de ataques a posições militares, em outras partes dos distritos de Macomia e Mocímboa da Praia.
Situação incerta
Ainda está incerto o que se vai seguir a esta dispersão dos insurgentes. Não se sabe se o inimigo apenas irá se confinar em outros esconderijos ou quererá resistir e até se vingar à ofensiva das FDS, na costa de Macomia. Mas os acontecimentos dos últimos tempos, particularmente entre Fevereiro e Março últimos, demonstraram que os “al-shabaab” voltaram a ganhar força e iniciativa de lançar ataques. A ocupação da vila de Quissanga, por 17 dias, sem qualquer pressão das FDS, foi o episódio mais surreal do que eles são capazes de fazer na actualidade, mais de um ano depois de terem visto a sua capacidade operativa fragilizada pela intervenção de tropas estrangeiras, sobretudo ruandesas.
Afastar os insurgentes de Mucojo para outras áreas da província não é suficiente porque eles podem lançar os ataques a partir de qualquer área. A região de Messalo, por exemplo, para onde também foram vistos a seguir, esta semana, é uma região estratégica onde podem voltar a se instalar e lançar as ofensivas para vários distritos, como já ocorreu, no passado. Para já, embora, em alguns contactos se relacionem amigavelmente com a população, os insurgentes têm prometido ataques para os próximos tempos, ao mesmo tempo que protagonizam outros, quer contra alvos civis, quer contra militares, como foi em Namaluco e Napala.
Texto co-produzido com a Zitamar News e o mediaFAX, no âmbito do projecto Cabo Ligado, em parceria com a ACLED. Matéria da inteira responsabilidade do SAVANA.