O antigo Presidente da República Democrática do Congo (RDC), Joseph Kabila, esteve ligado a um plano de Israel visando persuadir a antiga Procuradora-Chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), Fatou Bensouda, a abandonar as investigações, que na semana passada, resultaram num pedido para a emissão de um mandado de captura contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, revela uma investigação do jornal Guardian, de Londres.
O plano, liderado por Yossi Cohen, antigo director da Mossad, a agência secreta israelita, incluía acções de ameaça contra Bensouda, e em algumas ocasiões contou com a participação de Kabila, segundo descreve o jornal britânico.
As acções subversivas de Cohen tiveram lugar no período que antecedeu à decisão de Bensouda de abrir uma investigação formal sobre alegados crimes de guerra e contra a humanidade nos territórios ocupados da Palestina.
A referida investigação, lançada em 2021, culminou com a decisão tomada na semana passada para a emissão de um mandado de captura contra Netanyahu e o seu ministro da defesa, Yovan Gallant, devido às atrocidades cometidas pelas forças israelitas na actual guerra com o Hamas.
Fontes israelitas, citadas pelo Guardian, indicam que a operação contra Bensouda tinha como objectivo principal comprometê-la ou conseguir que ela cooperasse com as exigências de Israel.
O primeiro encontro entre Bensouda e Cohen terá sido durante a conferência de segurança de Munique, em 2017, quando o director da Mossad se apresentou a ela numa breve conversa ocasional. Depois deste encontro, Cohen terá alegadamente “emboscado” a Procuradora, naquilo que é considerado um episódio bizarro numa suite de hotel em Manhattan, Nova Iorque.
Bensouda encontrava-se numa visita oficial em 2018, em Nova Iorque, quando se encontrou com Kabila, no hotel onde este estava hospedado. Kabila e Bensouda haviam se encontrado várias vezes antes para abordar questões ligadas a uma investigação sobre alegados crimes de guerra cometidos na RDC.
Mas aparentemente a reunião tinha sido previamente orquestrada entre Kabila e Cohen. Depois de o pessoal de Bensouda ter sido ordenado a abandonar a suite, entrou imediatamente Cohen, para a surpresa da Procuradora.
Não está claro porque é que Kabila terá tentado ajudar Cohen, mas as relações entre os dois foram divulgadas em 2022 por uma publicação israelita, The Marker, que revelou uma série de visitas secretas realizadas durante o ano de 2019 pelo antigo director da Mossad à RDC.
De acordo com a publicação, as frequentes deslocações à RDC, durante as quais Cohen procurava conselhos de Kabila sobre “um assunto de interesse para Israel”, eram pouco habituais, e constituíam uma surpresa para figuras importantes ao nível dos serviços secretos israelitas.
Numa reportagem sobre as visitas à RDC em 2022, a televisão israelita Kan 11, disse que as mesmas estavam relacionadas com “um plano extremamente controverso”, e citou fontes oficiais que as descreveram como parte de “um dos segredos mais sensíveis de Israel”.
Várias fontes confirmaram ao Guardian que as viagens estavam em parte relacionadas com a questão do TPI sobre Israel, e que Kabila, que deixou o poder em Janeiro de 2019, desempenhou um importante papel de apoio no plano da Mossad contra Bensouda.
Depois do encontro surpresa com Kabila e Bensouda em Nova Iorque, Cohen continuou a efectuar chamadas telefónicas para a antiga Procuradora. Quando esta uma vez questionou como é que ele tinha obtido o seu contacto telefónico, Cohen respondeu: “Esqueceu-se do que faço para a minha vida?”
Fontes próximas ao assunto disseram que entre 2019 e 2021 realizaram-se pelo menos três encontros entre Bensouda e Cohen, todos a pedido deste.
Uma fonte ligada aos dois últimos encontros revelou que Cohen havia abordado questões relacionadas com a segurança pessoal de Bensouda e sua família de uma forma que a levou a acreditar que se tratava de ameaças.
Num desses encontros, Cohen terá exibido cópias de fotografias do marido de Bensouda, tiradas secretamente quando o casal se encontrava de visita a Londres. Numa das ocasiões, ele terá sugerido que uma decisão da Procuradora de prosseguir com investigações seria prejudicial para a sua carreira.
Numa certa ocasião, de acordo com fontes próximas, Cohen terá dito a Bensouda: “Deve nos ajudar, e deixe-nos tomar conta de si. Não vai querer envolver-se em coisas que poderão comprometer a sua segurança ou da sua família”.
Bensouda, que antes exercera o cargo de Procuradora-Geral da República e Ministra de Justiça da Gâmbia, foi Procuradora-Chefe do TPI entre Junho de 2012 e Junho de 2021.