Não restam dúvidas para o Secretário de Estado do Género e Acção Social, Abdul Ismail, que os casos de Violência Baseada em Género (VGB) destroem vidas e comprometem o futuro das comunidades, tendo em conta o seu baixo nível de denuncias.
Falando no encerramento da campanha de 16 de activismo sobre VBG, organizada Pelo Ministério de Trabalho, Género e Acção Social (MTGAS), Ismail apelou a colaboração dos todos na concepção de políticas públicas mais eficazes e acções concretas no terreno, tendentes a travar aquele fenómeno que continua a comprometer o desenvolvimento social de Moçambique.
Os números de casos de VBG registados no país continuam sendo alarmantes, apesar de mais de duas décadas de mobilização nacional. De Janeiro e Setembro foram registados 13.626 casos de violência em Moçambique, dos quais cerca de 10 mil tiveram como alvo mulheres, raparigas e pessoas idosas, incluindo 43 casos de feminicídio. Embora os números sejam alarmantes, há um sentimento de que continuam distantes daquilo que é a realidade nacional de VBG, tendo em conta que há tantos outros casos que não são denunciados devido a factores socio culturais, entre outros. A situação é vista como preocupante tendo em conta que nos dias de hoje fala-se também de violência digital, um fenómeno pouco conhecido, de modo particular em Moçambique, onde as taxas de literacia digital são baixas.
E foi pensando nisso que a campanha do presente ano se centrou na violência digital e decorreu sob o lema: “unidos para acabar com a violência digital contra as mulheres e raparigas”. Trata-se de um lema adoptado a nível global para fazer aos crescentes desafios do uso das redes sociais.
De acordo com Ismail, aquela forma de violência inclui assédio online, perseguições virtuais, chantagem, sextorsão, cyberbullying, alertando que o crescimento do uso de telemóveis e redes sociais está a criar novos espaços de vulnerabilidade, sobretudo para mulheres e raparigas.
“Há uma dimensão que cresce silenciosamente, a violência digital. Ela invade os espaços virtuais, transformando ferramentas de comunicação em instrumentos de opressão. Registámos assédio online, perseguições virtuais, chantagem, divulgação não consentida de imagens íntimas e discursos de ódio. São algumas das formas de violência que não deixam marcas físicas, mas que destroem a confiança, isolam e perpetuam ciclos de medo”, disse o secretário de Estado do Género e Acção Social.
A representante do MTGAS, Geraldina Juma, que classificou os números como “muito altos e preocupantes”, explicou que a maioria das ocorrências envolve mulheres jovens adultas entre os 18 e os 35 anos, embora se mantenham elevados os números relativos a crianças, mulheres com mais de 40 anos e pessoas idosas.
“Até mais Setembro de 2025, estávamos com cerca de 20 mil casos. São números que foram registados pelo Ministério do Interior, pelo Gabinete de Atendimento às Vítimas. A faixa etária vária, temos mais mulheres dos 18 aos 50 anos, mas também temos casos de crianças e idosos”, explicou Juma.
A vice-coordenadora do programa Empodera do MTGAS, Anabela Zungueze, partilhou alguns dados que indicam que factores estruturais continuam a alimentar a violência baseada no género no país. Destacou as uniões prematuras, que, segundo estatísticas nacionais, afectaram mais de 53% das jovens que foram arrastadas para essas uniões antes dos 18 anos. Aquela realidade, segundo Zungueze, expõe raparigas a maiores riscos de violência doméstica, sexual e económica, comprometendo o seu desenvolvimento pessoal e social.
A subnotificação dos crimes foi outro ponto crítico levantado durante o encerramento da campanha dos 16 Dias de Activismo contra VBG. A Linha Fala Criança (LFC 116), organização da Sociedade Cívil que trabalha na promoção e protecção dos direitos da criança, representada pela sua supervisora, Gertrudes Bernardo, revelou que a VBG no contexto digital é pouco denunciada. Nos poucos casos reportados, as denúncias chegam geralmente após o crime consumado, envolvendo situações de sextorsão, cyberbullying e partilha de conteúdos íntimos. Segundo a organização, os perpetradores são, na maioria das vezes, pessoas próximas das vítimas, incluindo familiares ou membros do mesmo ciclo social.
” A VBG no contexto online é muito pouco denunciada. Dos poucos casos que nós recebemos até aqui, verificamos que às vítimas denunciam casos de trato sexual depois do acto consumado. Então, são poucos os casos que nós recebemos, em que se trata de uma suspeita, e a Linha Fala Criança pode intervir antes da consumação do acto. São várias vezes em que as vítimas acabam denunciando, porque já se sentem sem saída ou não sabem a quem recorrer”, explicou.
O Governo reconhece limitações na resposta. A directora do Gabinete Jurídico do MTGAS, Celina Mucambe, apontou como principais barreiras a fraca cultura de denúncia, o peso de normas socioculturais que favorecem a resolução informal dos casos e a insuficiência de serviços especializados em alguns distritos. Ainda assim, referiu que está em curso a avaliação da Lei da Violência Doméstica (Lei n.º 29/2009) e de outros instrumentos legais, para adequá-los à evolução dos crimes, incluindo os cometidos no espaço digital.
“Temos as barreiras que todos nós que estamos aqui conhecemos. Uma das barreiras é a falta de denúncia. Os números que usarmos neste debate, temos consciência que estão aquém da realidade da violência, da violação e muito mais. Porquê isto acontece? Questões culturais. A nível dos distritos, as comunidades ainda estão muito fracas sobre esta matéria na vertente da denúncia”, disse Mucambe.
Entre as principais medidas em implementação pelo Governo para reforçar a prevenção e a resposta à violência baseada no género, destaca-se o Programa Empodera, baseado na Direcção Nacional de Género do MTGAS. O programa abrange 63 distritos, com intervenção directa em 45 distritos que dispõem de Centros de Atendimento Integrado. Segundo a vice-coordenadora do programa Empodera do MTGAS, Anabela Zunguze, o objectivo é reforçar a capacidade de resposta institucional, melhorar a digitalização e harmonização dos dados e ampliar o acesso das sobreviventes aos serviços de apoio psicológico, jurídico e social.