O Governo voltou a socorrer-se de questões financeiras para justificar a saída da Missão Militar da SADC (SAMIM, na sigla inglesa), da província de Cabo Delgado, onde durante três anos apoiou o país no combate ao terrorismo.
Falando durante a sessão de perguntas ao Governo, havida esta semana, na Assembleia da República, o ministro da Defesa, Cristóvão Chume, aponta para o escalonamento de prioridades e racionalização de esforços, sublinhando que seria bastante oneroso a SADC operacionalizar duas missões em simultâneo face às dificuldades que enfrenta para angariar apoios de parceiros multilaterais.
As tropas da SAMIM já iniciaram o processo de retirada em Cabo Delgado, para abraçarem uma nova missão de apoio militar na República Democrática do Congo (RDC), que combate o grupo rebelde M23, que, por sua vez, tem alegado apoio do Ruanda, um aliado estratégico de Maputo. É aqui onde, potencialmente, reside o verdadeiro problema da saída da SAMIM, tal como o SAVANA explicou recentemente.
Politicamente, o executivo vende a narrativa de conjugação de factores, destacando constrangimentos financeiros, o cumprimento dos objectivos da missão e caducidade do período de vigência do mandato.
Assim, espera-se que até ao próximo dia 15 de Julho, o processo seja encerrado com a retirada do último soldado. Até ao momento, já saíram do país os contingentes militares da África do Sul, de Botswana e a qualquer momento seguirão as tropas de Lesotho.
Porque a situação do terrorismo em Cabo Delgado ainda carece de cuidados, a bancada da Renamo na Assembleia da República pediu esclarecimentos ao Executivo.
Cristóvão Chume disse que é preciso perceber que a SADC tem de lidar com a situação de conflitos e crises ao nível da região. Deste modo, tendo conseguido apoiar Moçambique a estabilizar a situação de segurança em Cabo Delgado, entendeu, face à exiguidade de recursos, redimensionar esforços para o RDC.
Chume argumentou que a SAMIM enfrenta problemas de sustentabilidade de operações devido a constrangimentos financeiros, tendo em conta as dificuldades dos países contribuintes e a falta de um apoio sustentável da União Africana e outros parceiros multilaterais.
“Não se trata de não ter dinheiro para apoiar Moçambique e ter para a República Democrática do Congo, mas sim de escalonamento de prioridades e racionalização de esforços, visto que seria bastante custoso operacionalizar as duas missões em simultâneo, face às dificuldades que a SADC enfrenta para angariar apoios de parceiros multilaterais”, explicou.
A RDC, que também é membro da SADC, acusa o Ruanda de apoiar os rebeldes de M23, que tem protagonizado acções de desestabilização no leste do país.
Nisto a RDC solicitou apoio da SADC para combater o grupo M23, tendo sido enviada uma força militar constituída por contingentes da África do Sul, do Malawi e da Tanzânia, tendo para esse fim solicitado o apoio político, material e logístico às Nações Unidas e à União Africana, uma iniciativa que não foi bem acolhida pelo regime de Kigali.
Por ironia do destino, o Ruanda apoia Moçambique no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, na base de um memorando bilateral, e combate lado a lado com a SAMIM. Mas, com esta situação, ambos estão se confrontando militarmente no RDC. É esta situação que pode ter gerado tensão político-diplomática entre a SADC e Moçambique ao ponto daquela missão deixar o país.
Para Chume, as questões financeiras é que influíram para a tomada da decisão, pela Troika da SADC, para o fim das operações da SAMIM em Cabo Delgado.
Acrescentou que a saída é reforçada pelo facto de aquelas tropas terem cumprido o objectivo da criação da missão militar da SADC que era de recuperar as zonas que se encontravam sob forte influência terrorista nos distritos de Macomia, Muidumbe, Nangade e Mocímboa da Praia.
“O fim das operações da SAMIM significa que a missão cumpriu com o seu mandato e as Forças de Defesa e Segurança irão, no quadro das suas atribuições, fazer o preenchimento das áreas de responsabilidade operacional da SAMIM, para que a saída desta não crie fossos de segurança”, disse.
Porém, ao contrário do que afirma o ministro Chume, a SAMIM não cumpriu a sua missão, que era neutralizar a ameaça dos insurgentes. Grande parte das zonas mencionadas pelo ministro ainda estão sob controlo dos insurgentes.
Com a retirada da SAMIM, a guerra em Cabo Delgado poderá entrar numa nova fase, cuja forma ainda não está clara.
Cooperação multilateral
Segundo Chume, o fim do mandato da SAMIM não significa ruptura da cooperação multilateral com a SADC, no âmbito da prevenção e combate ao terrorismo e extremismo violento, pelo facto de este ser um fenómeno global que requer um esforço colectivo para o seu enfrentamento.
Nisto, fez saber que Moçambique coopera biliteramente com países como Zimbabwe e Tanzânia em matérias de combate ao terrorismo e falou de incremento de coordenação na construção de capacidades, controlo transfronteiriço e partilha de informações. No caso da Tanzânia, há o entendimento de que deverá continuar a prestar apoio no combate ao terrorismo no distrito de Nangade, mas no âmbito bilateral, de modo a proteger a sua zona tampão.
Relativamente à logística das Forças de Defesa e Segurança (FDS), contrariamente às mensagens vertidas pelos próprios militares nas redes sociais que traçam um cenário de dificuldades, desde pagamento de salários, logística alimentar e militar, Chume diz que as tropas têm tratamento prioritário.
Disse que o orçamento para as FDS conheceu uma subida notável, embora continue insuficiente para o alcance do estado final desejado que garanta a operacionalidade plena.
O problema de abastecimento em alguns casos, refere Chume, pode registar-se por outros factores como intransitabilidade das vias.