A investidura de Daniel Chapo como presidente de Moçambique foi marcada por uma evidente ausência de chefes de Estado e líderes internacionais, o que gerou um forte cepticismo sobre a sua legitimidade. No entanto, ao longo do tempo, Chapo tem vindo a conquistar uma legitimidade, ainda que precária, no plano diplomático e institucional. Este processo inclui a aproximação a bancos de desenvolvimento e a cooperação internacional, que têm sido fundamentais para garantir a sobrevivência política do novo regime. Mas, enquanto o apoio externo parece sólido, a legitimidade interna, aquela que vem das ruas, continua a ser um grande desafio.
Chapo tem também conseguido, aos poucos, consolidar uma posição nas esferas diplomáticas. As suas reuniões com delegações de governos, representantes das Nações Unidas e altos funcionários de bancos de desenvolvimento revelam uma aceitação pragmática da sua liderança. Embora todos estes actores estejam cientes da ilegitimidade da sua eleição, o pragmatismo das relações internacionais leva-os a adaptar-se rapidamente à nova realidade, desde que os seus interesses não sejam ameaçados. De facto, muitas dessas entidades, ao longo da história, têm colaborado com regimes que surgiram de processos claramente anti-democráticos, como golpes de Estado, sempre que as suas relações comerciais e geopolíticas estavam em jogo.
No entanto, o regime de Chapo enfrenta uma batalha muito mais complexa em solo nacional. A legitimidade popular, que é a base de qualquer governo estável, permanece um obstáculo significativo. Desde a sua investidura, o país tem sido palco de protestos, com manifestações a tomar força nas ruas. O movimento de contestação, que teve início em Outubro do ano passado sob a liderança de Venâncio Mondlane, continua a ser um ponto de fricção. Apesar de Mondlane ter ordenado a suspensão das manifestações por um tempo, o fervor popular continuou, como demonstrado pelos incidentes mais recentes. Um dos episódios mais emblemáticos ocorreu quando um bloqueio de via na cidade de Maputo forçou a primeira-ministra a interromper uma missão que se acredita oficial na capital, evidenciando a falta de controle sobre a situação. O descontentamento popular não se limita à capital; em várias regiões do país, como em Chókwè, populações têm boicotado actividades oficiais, recusando-se a colaborar com as autoridades e, em alguns casos, atacando instalações estatais e símbolos do partido Frelimo.
A fragilidade da legitimidade popular é, portanto, um factor determinante na crise política actual. Mesmo que as relações diplomáticas e com os parceiros de cooperação estejam aparentemente asseguradas, o governo de Chapo enfrenta um dilema crucial: como consolidar a aceitação popular? A história recente de Moçambique mostra que, em momentos de crise política, é a confiança das massas que garante a sobrevivência dos regimes. Os protestos e os sinais de insatisfação popular indicam uma desconexão profunda entre o governo e a população.
Para tentar contornar essa lacuna, o regime tem investido na utilização de intelectuais e académicos para melhorar a sua imagem e influenciar a opinião pública. No tempo de Armando Guebuza, o governo foi relativamente bem-sucedido nesta estratégia, com um grupo de propagandistas altamente qualificados a defender a sua narrativa nos meios de comunicação. No entanto, a administração de Filipe Nyusi cometeu um erro estratégico ao recorrer a figuras de pouca relevância intelectual, o que enfraqueceu a sua capacidade de convencer a sociedade. A nova abordagem de Chapo parece seguir o mesmo caminho, com o recurso a jovens académicos de credenciais questionáveis, alguns dos quais têm sido alvo de zombarias e memes nas redes sociais. Este fenómeno apenas acentua a perda de credibilidade do regime, especialmente entre a população mais jovem, que tem acesso fácil às redes sociais e se sente cada vez mais distante dos valores tradicionais da política institucional.
No fundo, o problema central de Chapo e do seu governo reside na falta de apoio das bases sociais. As classes trabalhadoras e as classes médias, elementos essenciais para a consolidação do poder, ainda não estão mobilizadas para apoiar o regime. Esta ausência de apoio popular configura uma fragilidade política grave. O governo de Chapo parece estar mais preocupado em assegurar a legitimidade institucional do que em conquistar a aceitação das massas. Isso pode ser um erro fatal, como questiona a voz crítica do jovem artista e activista Refiller Boy, que cantou: “mita fuma kandjani, a xitsungu a xi mi lavi – como pensam governar sem o apoio do povo?” Este questionamento, que ecoa nas ruas, reflecte a desconexão entre o regime e o povo.
Em vez de se focar exclusivamente na legitimidade institucional, Chapo e o seu governo precisariam de uma estratégia mais inclusiva, que privilegiasse a construção de um pacto social genuíno. Ignorar as ruas e a base social pode ser um erro fatal. Sem um apoio substancial da população, mesmo que a diplomacia internacional continue a garantir apoio, o regime de Chapo estará sempre vulnerável. A qualquer momento, pode haver uma viragem, e a fragilidade do governo pode resultar na sua queda.
Portanto, a batalha por uma legitimidade verdadeira, não apenas institucional, mas também popular, continua a ser o grande desafio do governo de Daniel Chapo. Se não for conquistada, a estabilidade política será apenas uma ilusão, e o regime estará condenado a viver com a constante ameaça de contestação nas ruas.
*Boaventura Monjane. Jornalista. Investigador Associado no Institute for Poverty, Land and Agrarian Studies, University of the Western Cape. Membro co-fundador e Director Executivo da Alternactiva – Acção Pela Emancipação Social.