Cem dias depois da investidura de Daniel Chapo como presidente da República, o governo apresenta um conjunto de realizações que cobrem áreas essenciais como saúde, educação, juventude, infra-estruturas e resposta a desastres. No papel, há metas cumpridas e estatísticas promissoras. Nesta terça-feira, o governo afirmou já ter executado 95% dos 96 indicadores planificados. Em termos reais, cumpriu 84 dos 96 indicadores. Mas o que dizem esses números quando lidos à lupa, com atenção ao contexto, ao impacto e aos desafios estruturais? A escassos dias do dia 100 do referido plano (30 de Abril), o SAVANA analisa, no plano de A a Z, o desempenho governamental nesse período, numa linha para além do mero balanço administrativo: lê os factos, cruza-os com a realidade nacional e oferece uma síntese dos primeiros 100 dias da “Administração Chapo”. Porque a governação não se mede apenas pela quantidade de acções executadas, mas, também, e acima de tudo, pela qualidade da mudança que provoca na vida dos cidadãos…
Água
Mais de 2.000 novas ligações domiciliárias foram concluídas em várias províncias, reforçando o acesso à água potável, especialmente em zonas com histórico de escassez. Contudo, o acesso à água em Moçambique ainda é um desafio, num país em que 63,6% da população moçambicana tem acesso ao precioso líquido, o correspondente a 20 milhões de pessoas.
Bibliotecas
Embora o foco tenha sido a distribuição de livros, a iniciativa fortalece directamente o papel da biblioteca escolar como espaço de apoio ao ensino. Com 11 milhões de manuais entregues, milhares de escolas passam a ter acervos básicos mais completos para os alunos. Ter o livro escolar distribuído em todo o país em tempo útil, logo nos primeiros dias de governação, é visto como obra e sinaliza compromisso com a educação. Mas é importante lembrar que a distribuição de livros escolares em Moçambique sempre enfrentou vários problemas, incluindo dificuldades de acesso às escolas devido à precariedade infra-estrutural, falta de espaço para armazenamento e desafios logísticos. Em 2024, dezenas de escolas primárias do país terminaram o ano lectivo sem o livro escolar.
Cirurgias
Foram realizadas 706 cirurgias para reduzir as listas de espera. A acção responde a uma necessidade crítica do sistema de saúde, muitas vezes sobrecarregado, mas levanta a questão da continuidade: será essa uma medida de alívio pontual ou o início de uma reestruturação da capacidade cirúrgica hospitalar? O certo é que houve quem estivesse à espera do que num ápice foi efectivado durante…vários anos!
Diálogo
Durante os primeiros 100 dias, o presidente manteve encontros com diferentes sectores da sociedade, incluindo empresários, líderes religiosos, académicos, parceiros internacionais e representantes de comunidades afectadas por desastres. No mesmo período, foi assinado o Compromisso Político para o Diálogo Nacional Inclusivo, já transformado em lei. Igualmente, o Presidente da República manteve um encontro inédito com Venâncio Mondlane, antigo candidato presidencial da oposição, sinalizando uma possível viragem no relacionamento entre o poder e os seus críticos, além da estabilidade que tal trouxe. Embora o impacto prático ainda esteja por avaliar, o gesto teve peso simbólico num ambiente político historicamente polarizado.
Educação Técnica
Mais de 5.000 certificados foram atribuídos a jovens do ensino técnico-profissional. A medida é relevante, mas coloca em foco a qualidade da formação e a empregabilidade real dos formandos. Num mercado laboral dominado pela informalidade, a ligação entre formação e absorção profissional ainda é frágil, embora crucial.
Furos
De sete furos multifuncionais previstos, apenas dois foram concluídos. A meta não cumprida reflecte a dificuldade de execução no sector de infra-estruturas rurais e evidencia a necessidade de rever os modelos de contratação, monitoria e responsabilidade local. A vontade e a seriedade devem estar presentes em toda a cadeia de valor.
Gás Residencial
As ligações residenciais de gás natural iniciaram-se em Maputo. Embora ainda num estágio inicial, trata-se de um marco no esforço de transição energética urbana. O desafio será escalar esta política para além da capital, onde a lenha e o carvão continuam a ser as principais fontes de energia doméstica, ainda que isso represente desafios ambientais. Mas o mais significativo nestes primeiros 100 dias foi a aprovação, em decreto, do Plano de Desenvolvimento do Projecto Coral-Norte, o que reforça o papel estratégico e do conteúdo local na indústria do Oil & Gás, qual efectivo prenúncio da materialização de uma das promessas do presidente Chapo em sede da campanha. A Confederação das Associações Económicas (CTA) saudou a aprovação, assinalando que “Diferentemente do Coral Sul FLNG, que iniciou as operações comerciais em Novembro de 2022, o Projecto Coral Norte FLNG vai fornecer gás doméstico, como matéria-prima indispensável para a industrialização do país. Algumas vantagens daqui resultantes, e diferentemente da primeira fase, incluem a alocação inicial de 10% do gás doméstico, e que pode incrementar até 25%, com todos os benefícios e impactos positivos que daí irão resultar”.
Habitação
No total foram entregues 983 casas em Sofala, no âmbito da reconstrução pós-IDAI. A acção tem impacto directo na dignidade das famílias deslocadas, mas evidencia também a lentidão da reconstrução. Passaram-se quatro anos desde o ciclone, o que levanta questões sobre capacidade de resposta em futuros desastres. Ainda no capítulo da habitação, o presidente Chapo convenceu um sério grupo privado, com prova dada em países como Angola (dignos condomínios em Talatona e Kilamba, em Luanda, por exemplo), a erguer casas para jovens em Moçambique, o que já iniciou, nomeadamente com o lançamento do projecto de construção de cerca de seis mil apartamentos no bairro Costa do Sol, em Maputo, grande parte dos quais estarão prontos em finais de 2027. Mas é importante que sejam clarificados os mecanismos de acesso a estas habitações para que não voltem a cair nas mãos das mesmas elites que beneficiaram de projectos similares no passado.
Internet
Cem escolas foram ligadas à internet, 3.989 estudantes receberam laptops e 435 camponeses, smartphones. São avanços importantes na inclusão digital, mas ainda insuficientes perante a desigualdade de acesso entre zonas urbanas e rurais. O problema não é apenas a conectividade, mas também a manutenção e a formação digital. Não deixa, de qualquer forma, de ser um passo importante nesta ‘sociedade em rede’.
Juventude
Nos primeiros 100 dias do governo de Daniel Chapo, a juventude foi destacada como prioridade política. O programa Acredita Emprega financiou mais de 3.000 iniciativas juvenis, e houve reforço orçamental no Fundo de Apoio às Iniciativas Juvenis, cujo investimento saltou de cinco para 33 milhões de meticais nos últimos anos. Foram ainda promovidos concursos públicos, distribuídos computadores e realizados encontros com jovens em diversas províncias.
No entanto, os desafios estruturais permanecem. Moçambique é um país jovem — cerca de 66% da população tem menos de 25 anos —, mas essa maioria demográfica não se traduz em inclusão real. A taxa de desemprego juvenil chega a 36% nas áreas urbanas, segundo dados recentes, e a informalidade continua a ser o destino da maioria. A educação técnico-profissional, embora reforçada, ainda carece de ligação efectiva ao mercado de trabalho.
Se, em 100 dias, houve sinais de compromisso político, o próximo passo exigirá mais do que financiamentos pontuais: é preciso desenhar uma nova política nacional de juventude com metas de longo prazo, foco territorial, acesso ao crédito e participação activa dos jovens nas decisões que os afectam. Espera-se que o encontro que o presidente Chapo fez com o Conselho Nacional da Juventude (CNJ) seja o início da viragem, sob o ponto de vista de abordagem.É importante tirar leituras das chamadas manifestações pós-eleitorais, que rapidamente trouxeram ao de cima outros problemas de governação, que, durante décadas, eram varridos para debaixo da carpete. A pobreza urbana, os elevados níveis de desemprego, desigualdades económicas e sociais e falta de oportunidades para os jovens estavam entre as principais exigências. Foram reivindicações de cariz socioeconómico, sobretudo atingindo jovens, que é importante lidar com elas com a necessária coragem.
Quilómetros de estradas
Cerca de 2.000 quilómetros receberam manutenção de emergência. A iniciativa ajuda a escoar a produção e reduzir o isolamento, mas não resolve o problema estrutural: a maioria das estradas moçambicanas continua em más condições, e a manutenção frequente decorre mais de degradação acelerada do que de planeamento regular. Digno de realce é o facto de se ter acelerado, nestes primeiros 100 dias, o concurso público para a reabilitação, qual reconstrução, de parte significativa da N1, a espinha dorsal do nosso país.Mas também é importante desenvolver uma cultura de manutenção de estradas. Igualmente, a dependência externa de fundos para as rodovias, sobretudo a EN1, reduz muito a capacidade de decisão de Moçambique sobre as suas prioridades de investimentos em infra-estruturas públicas.
Lojas de insumos agrícolas
Foram abertas 11 novas lojas para fornecer insumos agrícolas, facilitando o acesso de pequenos produtores a sementes e fertilizantes. Julgamos que Chapo tem, neste seu consulado, a oportunidade de mostrar as vantagens de Moçambique ter três vezes mais água para a agricultura que a vizinha África do Sul, no que a semente melhorada é muito importante.
Merenda Escolar
Cerca de 257 mil alunos beneficiaram de refeições escolares. Esta acção tem impacto directo na assiduidade e aprendizagem, sobretudo em contextos de insegurança alimentar. Num país em que a fome ainda não deixou de ser notícia, este é um milestone (marco) importante nestes primeiros 100 dias da Administração Chapo. No entanto, o programa ainda não cobre o país todo e enfrenta riscos de interrupção por questões logísticas e orçamentais.
Nutrição e Saúde Pública
Foram entregues 40 mil uniformes e 400 autoclaves, e implementado o programa 5S em 1.777 unidades sanitárias. São passos importantes para a melhoria da biossegurança e condições de trabalho nas unidades de saúde, mas não substituem investimentos estruturais em pessoal, medicamentos e infra-estrutura hospitalar. Tomar a nutrição como elemento fulcral da saúde pública é uma empreitada a todos os títulos importante, daí que o recurso, nestes primeiros 100 dias, às rádios locais e comunitárias para a educação das comunidades, em línguas locais, é algo para encorajador.
Obras Públicas
Diversas infra-estruturas como pontes, travessias, sistemas de abastecimento de água e sedes distritais foram iniciadas ou concluídas em várias províncias. O início da construção da Cidade Petroquímica em Mavanza, em Vilankulo, poderá viabilizar a transformação doméstica dos recursos naturais moçambicanos, o que pode concorrer para gerar milhares de empregos directos e indirectos, conforme destacou o presidente Chapo.
Pensões
Foram regularizadas 1.413 pensões de antigos combatentes no Niassa. O gesto corrige uma dívida social do Estado e sinaliza um esforço de reconhecimento simbólico. A gestão da segurança social, porém, ainda carece de descentralização e maior celeridade em outras províncias. No campo da assistência social, é de destacar, nestes primeiros 100 dias, o reinício do pagamento de subsídios aos idosos, as nossas “bibliotecas vivas”. Mas é importante olhar com a necessária seriedade para as queixas vindas dos antigos guerrilheiros da Renamo abrangidos pelo processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), como forma de evitar tensões que podem minar o desenvolvimento do país.
Qualidade
Foi lançado o Portal do Funcionário Público e emitidos mais de 40 mil cartões de identificação funcional. As medidas visam aumentar a transparência e organização da administração pública. Falta, contudo, uma auditoria real ao desempenho e à produtividade dos serviços públicos. Aqui, Chapo ainda deve impregnar eficazmente a sua visão de fazer diferente para ter resultados diferentes.
Registo Civil
Mais de 46 mil registos de nascimento e óbito foram emitidos. A medida reforça a cidadania formal, mas o problema de sub-registo continua grave, sobretudo em zonas de conflito ou de difícil acesso, onde muitos ainda vivem “sem papel e sem nome”. No âmbito das reformas a serem empreendidas nos próximos anos em sede do Diálogo Nacional Inclusivo, talvez é tempo de se massificar a emissão do Bilhete de Identidade, eliminando-se o não menos oneroso cartão de eleitor, que se produz na hora em cada eleição…
Sanitários
Foram construídos 3.499 sanitários escolares na província de Tete. A acção é fundamental para a higiene e permanência de meninas na escola. Mas a falta de manutenção e de acesso à água em algumas dessas escolas pode comprometer a eficácia da infra-estrutura.
Transporte Urbano
Vinte autocarros foram colocados em circulação na cidade de Maputo e outras províncias receberam veículos para reforçar o transporte interprovincial. Mas ainda há muito por fazer, sobretudo por parte das edilidades. Chapo deve colocar ‘mais pressão’ nos ministérios de tutela, para que estes cobrem aos municípios.
Universidade
Foram equipados três centros de pesquisa e laboratórios escolares. A acção contribui para a ciência e inovação local, mas é necessário garantir financiamento estável e ligações com o sector produtivo, para que a investigação responda a problemas reais do país. Há, entretanto, quem julgue que o presidente Chapo deveria aproveitar as lições destes primeiros 100 dias para tirar o ensino superior do Ministério da Educação para o da comunicação e Transformação Digital, que ficaria Ciência, Comunicação e Transformação Digital. Misturar ensinar a contar e escrever com fazer ciência e produzir conhecimento pode não ser boa opção…
Vítimas
Cerca de 1,5 milhão de pessoas afectadas por desastres naturais receberam apoio humanitário. A resposta, apesar de significativa, expõe a vulnerabilidade estrutural das comunidades e a necessidade de investir mais em prevenção, resiliência climática e urbanização segura.
Workshops
Formações em justiça comunitária, saúde e registo civil foram lançadas em várias províncias. Embora úteis, é fundamental garantir que as formações tenham continuidade, que os formandos sejam integrados e que o conhecimento se traduza em melhorias reais nos serviços.
X – Xadrez Diplomático
Nos primeiros 100 dias, o presidente manteve encontros com representantes de vários países, como os da China, África do Sul, Brasil, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos da América e Tanzânia, mais os representantes do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, além de ter visitado países como África do Sul, Tanzânia, Namíbia e Etiópia, neste último para tomar parte de uma sessão ordinária anual da União Africana. As relações externas foram activas, mas o sucesso da diplomacia será medido pela sua capacidade de gerar investimento, financiamento e apoio técnico com impacto directo no desenvolvimento interno
Youth Empowerment
O Empoderamento da Juventude, qual Youth Empowerment na língua de Shakespeare, denotou ser uma das apostas de Daniel Chapo, conforme já prometera em sede da campanha eleitoral. No lançamento do projecto de construção de perto de seis mil apartamentos em Maputo, por exemplo, deixou claro que os jovens devem ser beneficiários primários. Por outro lado, o jovem é prioridade em todos os fundos públicos (enquanto contas bancárias e não novas instituições, como amiúde se infere, erradamente!) que foram lançados nestes primeiros 100 dias de governação.
Zonas Rurais
As zonas rurais, que albergam mais de 60% da população moçambicana, foram foco de algumas das intervenções dos primeiros 100 dias – com destaque para o reforço da irrigação agrícola, expansão de redes de água potável, abertura de lojas de insumos e distribuição de refeições escolares. No entanto, os desafios vão além do acesso físico a bens e serviços: incluem isolamento geográfico, exclusão digital, fraca presença do Estado, precariedade nas vias de acesso e ausência de serviços essenciais como registo civil, energia e telecomunicações. As inovadoras visitas de trabalho que o Presidente Chapo fez nestes primeiros 100 dias a metade das províncias do País, menos a capital Maputo, todas dominadas pelo rural (Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Inhambane e Tete), daí ter privilegiado o distrito, demonstram a sua preocupação com a melhoria da qualidade de vida da maioria da população moçambicana. Os dados estão, de resto, lançados, mas muitos estão como São Tomé: ver para crer!!!