A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional (AI) defende que o Estado moçambicano deve pagar rapidamente uma compensação monetária e assegurar assistência médica às vítimas da violência usada pelas forças de segurança, durante as manifestações contra os resultados das eleições gerais de 09 de Novembro.
A posição da AI consta de um relatório intitulado “Protesto sob Ataque: Violações de direitos humanos durante a repressão pós-eleitoral de 2024 em Moçambique”.
O Estado deve “assegurar uma reparação abrangente às vítimas de violações dos direitos humanos e às suas famílias, incluindo compensação monetária e assistência médica, se for caso disso”, pode ler-se no documento.
A força usada pelas forças de segurança moçambicanas contra os manifestantes foi imprudente e desnecessária, considera a AI.
“Em vez de proteger os seus direitos de manifestação pacífica, a polícia reprimiu as manifestações por todo o país e respondeu com o uso ilegal da força, prisões arbitrárias em massa e supressão da informação”, enfatiza-se no texto.
A actuação das autoridades, prossegue, foi caracterizada pela
violação das normas e padrões internacionais, tendo a polícia usado ilegalmente armas de fogo e armas menos letais, matando e ferindo manifestantes e transeuntes.
Por outro lado, o exército usou igualmente a força e armas menos letais de forma imprudente e ilegal.
“Nos incidentes documentados em que pessoas perderam a vida, o uso ilegal da força violou o direito à vida desses manifestantes e transeuntes, bem como o seu direito de reunião pacífica”, diz o relatório.
Noutros casos, as forças de segurança causaram lesões corporais e violaram o direito de manifestação pacífica.
Dois médicos que trataram dezenas de pessoas feridas no contexto das manifestações disseram à AI que assistiram pacientes feridos por balas reais, balas de borracha e gás lacrimogéneo.
Os ferimentos incluíram fracturas ósseas, hemorragias internas, danos graves nos órgãos, lesões torácicas e problemas respiratórios. Conjuntamente, trataram pelo menos 10 crianças, das quais a mais nova tinha nove anos.
De acordo com a Ordem dos Médicos de Moçambique, registou-se um aumento notório do número de doentes internados em hospitais de todo o país, com ferimentos de balas, a partir de 18 de Outubro.
Entre 18 e 26 de Outubro, registaram-se 73 casos de ferimentos por balas, dos quais 10 resultaram em morte.
“Estes números contrastam com os do período entre 1 e 17 de Outubro, em que não se registaram quaisquer casos deste tipo”, diz a AI.
O uso ilegal da força pela polícia teve um impacto profundo na saúde física e mental das pessoas afectadas. Dois médicos relataram à AI que alguns dos ferimentos que trataram resultaram em incapacidades permanentes, incluindo amputações, e, em pelo menos três casos, perda da capacidade de andar.
“O uso ilegal da força pela polícia resultou em ferimentos a chefes de família que afectaram a sua capacidade para cuidar do seu agregado”, refere-se no relatório.
De acordo com a Plataforma DECIDE, uma organização da sociedade civil que recolheu denúncias através da sua linha telefónica directa, foram mortas cerca de 315 pessoas e mais de 3.000 ficaram feridas, entre 21 de Outubro de 2024 e 16 de Janeiro de 2025, no âmbito das manifestações.
No dia 23 de Janeiro de 2025, Bernardino Rafael, então comandante da polícia, reconheceu que 96 pessoas tinham morrido durante as manifestações, incluindo 17 agentes.
A AI apela às autoridades moçambicanas para que garantam que todas as alegações de homicídios, ofensas à integridade física, prisões e detenções arbitrárias sejam investigadas de forma exaustiva e imparcial.
Os suspeitos da autoria desses abusos devem ser levados à justiça e submetidos a julgamentos justos, realça o relatório.
Telefonia móvel deve respeitar direitos humanos
Aquela organização apela às operadoras de telefonia móvel Vodacom Moçambique, Tmcel, TV Cabo e Movitel, para que garantam que as suas operações, produtos e serviços, incluindo a prestação de serviços de Internet, respeitem os direitos humanos. Apela igualmente que as operadoras investiguem e remedeiem os impactos adversos nos direitos humanos, que as interrupções da Internet e/ou as restrições às plataformas das redes sociais possam ter tido.
O relatório assenta principalmente em entrevistas e análises de dados abertos, tendo a IA entrevistado 28 pessoas, das quais duas eram menores, incluindo testemunhas oculares, vítimas e familiares das vítimas, assim como médicos e advogados.
Foram verificadas e analisadas mais de 100 vídeos e fotografias publicados nas redes sociais ou partilhados directamente com os investigadores.
A organização analisou também documentos oficiais, publicações em redes sociais, fontes dos media, documentos médicos e publicações de outras organizações da sociedade civil.